Conheci um senhor que, antes de entrar no templo para saudar o sagrado, abria um pacote, distribuía petiscos e elas começavam a se achegar. Em breve, o banquete estava feito, uma festa de arrulhos e bicadas. Ainda hoje é assim. As paredes seculares do edifício consagrado a Maria, mãe dos Carmelitas, borradas pelas titicas que elas deixam, desde a torre até o chão. Imaginem que muitas voejam, com intimidade, dentro da igreja, fazendo turismo pelos altares. Até no altar-mor onde habita a imagem histórica da Nossa Senhora do Carmo. Havia uma, sem qualquer respeito, pousada na cocuruta de Jesus.
Quando menino, criávamos alguns pombinhos, nós, crianças, passávamos as mãos sobre a lisa penugem aveludada. Eram macias, bonitas, subiam e voavam para os galhos das goiabeiras, aborreciam o vizinho, um agiota que morava ao lado. Saiu de sua curtição de alcoólatra e gritou para escutarmos a sentença de morte das mimosas aves: “Vou matá-las com meu parabélum trinta e oito!” Fala de bêbedo.
Alguns asseguravam que pombo transmite uma infinidade de doenças. Tal advertência não mexeu com ninguém da casa: éramos curtidores incuráveis dos pombinhos. Ao anoitecer, se recolhiam ao pombal. Gostávamos de escutar os corrupios emitidos por elas enquanto se arrumavam para a dormida.
Voltemos à igreja. Muita gente já está reprovando a presença dos pombinhos: sujam o ambiente com as fezes corrosivas, dilapidam as paredes, nocivas à saúde, poleiro de germes, etc. Embora jamais aparentem ser tão perigosas, continuam sob a admiração de uns e reprovação de outros.
Estariam pensando em deportá-las para o pátio da Catedral de São Marcos, em Veneza?...
José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista