Conheço José Bezerra Filho desde os tempos imemoriais da hoje extinta Fundação Cultural do Estado da Paraíba (FUNCEP), quando esse órgão do governo do estado instituiu o Concurso de Contos Geraldo Carvalho, numa justa homenagem ao ficcionista de “A Cravina Asfaltada”, que, apesar de recolhido a uma cadeira de rodas, exercia uma efetiva liderança junto aos poetas, artistas plásticos, dramaturgos, romancistas, contistas, enfim, junto a todos quantos respondiam pelas atividades artísticas da provinciana João Pessoa dos anos 1960 e 1970.
A respeito da ficção de Bezerra, devo dizer que ela constitui um prolongamento de sua vida, ainda que não seja pela experiência vivida que uma obra ganha em qualidade, mas “pela experiência literária que o seu autor sabe lhe comunicar”. Daí a obra de Bezerra reivindicar, ao seu eventual exegeta, uma ênfase toda especial nas coordenadas biográficas que a perpassam, condição sine qua non para ela ser melhor avaliada em toda a sua extensão e plenitude. Aliás, autores existem que mantêm uma íntima relação com o que escrevem, cabendo-lhes – como o faz Bezerra -, para não soçobrar no mero biografismo, a tarefa de transfigurar a realidade através do sortilégio da linguagem.
O fulcro gerador de parte expressiva da obra de Bezerra, é o Cine Metrópole, já demolido, assim como também o foram, entre muitos outros, os cinemas Rex, Plaza, Astória, Jaguaribe, Santo Antônio e o Cine Brasil, sobre cuja matinê das moças, espécie de rito de passagem de toda uma geração que se iniciava no “cerimonial” da bolinagem, escrevi: abriam-se cortinas, / zíperes e braguilhas. // tinha início a projeção/ de mãos/ por entre pernas. // tão brasil!
Ser gregário por natureza, comunicativo, generoso, por muito pouco, ainda jovem, não teve a sua vida ceifada pela “indesejada das gentes”. Se sobreviveu e chegou à casa dos oitenta anos, tal se deve à sua perseverança, à sua alegria e vontade de viver, mas também à assistência, em tempo integral e dedicação exclusiva, da família e de alguns amigos solidários, a exemplo de W. J. Solha, a quem iniciou, lá em Pombal, na década de 1960, nos caminhos sempre árduos e tortuosos da literatura. E a quem também convocou – ou intimou? – para se lançarem na aventura da realização daquele que seria o primeiro filme longa-metragem rodado na Paraíba: “Fogo: o salário da morte”, calcado num romance de sua autoria premiado no Concurso Joaquim Manuel de Almeida, promovido, no ano de 1967, pela Secretaria de Educação do antigo estado da Guanabara, de cuja comissão julgadora fizera parte, além de Evanildo Bechara e Modesto Dias de Abreu, o dicionarista e ficcionista Aurélio Buarque de Holanda, autor do antológico “O Chapéu do meu pai”, que merece figurar em toda e qualquer antologia do conto brasileiro que se preze. Tempos depois, Aurélio convidou-o para compor a equipe responsável pela elaboração de uma nova edição do dicionário, desde sempre fonte de consulta de várias gerações de brasileiros.
Eis o esboço de um retrato fragmentado do homem e do ficcionista José Bezerra. Que outros avivem as esmaecidas linhas que eu tracei e o reconstituam de corpo inteiro, pois, seguramente, há quem possua mais autoridade do que eu para falar sobre o compositor, o tenor, o dramaturgo, o ficcionista e a respeito de tantas outras facetas que compõem a sua personalidade tão singular e tão plural.
Sérgio de Castro Pinto é doutor em literatura, professor e poeta, membro da APL