Permitam-me aventurar no mundo literário e escrever uma crônica dedicada ao meu amigo, confrade, professor e cronista Carlos Romero. Ele foi um homem de múltiplas viagens, creio que conheceu os cinco continentes do planeta, em companhia da sua amada família. Utilizei-me desse hobby preferido, para relacioná-lo com as minha reflexões. Assim como numa viagem, podemos escolher as rotas pelas quais percorreremos para o deslocamento, decidi pela rota das lembranças de uma convivência pessoal de mais de 30 anos, pequenos recortes fragmentados de histórias e metáforas, risos e espiritualidade.
Estávamos nos preparando para assistir a reunião pública na Federação Espírita Paraibana, na antiga sede no Parque Solon de Lucena. Era uma noite de sexta-feira, podíamos contemplar refletida nas águas da lagoa a luz de uma bela lua cheia. A brisa suave da noite convidava-nos a uma nostálgica contemplação. Não sabia quem iria utilizar da tribuna, nem o tema da noite, mas a expectativa era de ouvir uma mensagem de paz e esperança na alma. Subi a escada que levava ao auditório e lá dezenas de pessoas esperavam o início da reunião, que pontualmente começou às 20:00h. Uma mensagem foi lida de um livro do Chico Xavier, com breve comentário e em seguida proferida uma linda oração, muito tocante feita por uma distinta senhora cujo nome fiquei sabendo, Gizelda Carneiro. A palavra foi facultada ao palestrante da noite, o Professor Carlos Romero. Lembro-me que iniciou sua fala dizendo que a dúvida é uma dor filosófica. Que é excelente para a mente ter dúvidas e a Doutrina Espírita nascera de inquietações sobre as causas do fenômeno espirita e sobre as questões mais relevantes da vida: quem somos? O que estamos fazendo aqui nesse planeta? E para onde vamos após a morte do corpo físico? Foram 45 minutos de muitos esclarecimentos, vertidos de uma alma serena, firme e espirituosa. Assim começou nossa amizade, fruto de admiração pela sabedoria que ele me transmitia. E cada vez mais, aproximei-me para conversar e interagir. Nos encontrávamos frequentemente e fortalecíamos mais ainda nossa amizade. Procurava-o até como confidente espiritual. Contou-me muitas histórias sobre seu Pai, Augusto Romero, que presidiu a FEPB, durante 44 anos e particularmente me interessava muito saber sobre esses assuntos, apesar dos meus vinte e poucos anos. Tornei-me leitor assíduo de suas colunas nos jornais, recortava e colava num caderno para colecionar e também debater com o autor, que tinha satisfação enorme nesses colóquios. Fez-me conhecer a alimentação macrobiótica, uma dieta a base de cereais e rígida na sua fundamentação. A partir daí, apresentou-me seu fã filho, Germano Romero, um músico e arquiteto cuja ligação afetiva, Pai/filho, muito impressionava-me. No senso comum, podíamos dizer, duas almas gêmeas, para a Doutrina Espírita, porém, duas almas afins, ligadas por laços espirituais anteriores.
Nesse ínterim, fizemos nossa primeira viagem de divulgação doutrinária. Ele fora convidado para uma palestra em uma Instituição Espírita em Campina Grande. Era um dia de sábado e marcamos de nos encontrar à tarde, na FEPB. Cheguei próximo das 15 horas e lá encontrava-se ele com seu Monza Branco do ano. O carro estava sendo lavado por um flanelinha do parque. Cheguei próximo e presenciei um interessante diálogo do rapaz jovem e o Professor, que lhe disse afirmando: - O senhor é que vive bem, pois é rico, elegante e tem as coisas que quer. O professor redarguiu: - Você sabia que também é muito rico? - Ham! Respondeu surpreso o rapaz, - Sou não senhor, minha vida é essa aqui, nessa luta de lavar carro para sobreviver. Nisto o professor Carlos tira do seu bolso o talão de cheques e pergunta ao flanelinha:- Você venderia as córneas dos seus olhos por quanto? - Ham! Mais uma vez surpreso, respondeu: - Tá a venda não senhor! Mais uma vez, insistiu com certa veemência o professor: - Diga o preço rapaz. O jovem responde com decisão: - Vendo nada senhor, tem preço não. Daí concluiu o Professor: -Você tem riquezas que não tem preço. O flanelinha sorriu com uma semblante bastante reflexivo.
Vejam que inicio de viagem, já começamos falando de dádivas que temos e não nos apercebemos. Continuamos os preparativos da viagem e outra surpresa, o Professor Carlos disse: - Marco você vai dirigindo. Confesso que nunca tinha dirigido uma carro tão chique, fiquei meio sem jeito, mas aceitei. Pensei, meu Deus, dirigindo um carro desse ainda mais conduzindo o Professor, que honra. Muitas emoções estavam por vir. Pegamos a estrada em direção a Serra da Borborema, a conversa inicia sob uma suave música de fundo de Ludwig Van Beethoven, Johann Sebastian Bach, entre outros clássicos. Algumas pérolas desse diálogo que consegui armazenar na memória: “a vida, assim como uma estrada, não é constituída apenas de retas. A vida tem curvas variadas, tem declínios e subidas, terrenos ásperos, encharcados, lameados e também planos. Percorrermos todos os terrenos faz parte do plano divino de elevação espiritual. Todos nós partimos de um ponto comum, a simplicidade e a ignorância, isto é, a falta de conhecimento das coisas. No entanto, nossa meta é a perfeição relativa, temos no nosso DNA os códigos divinos da perfectibilidade. O combustível para atingirmos é a vontade firme no bem. Jesus nos ensinou o modus operandi de amar; a nós mesmos, ao próximo e a Deus. A Doutrina Espírita reforça a necessidade de praticarmos a caridade, pois sem ela não há salvação”.
A conversa estava ótima, mais o ponteiro da gasolina, pedia reabastecimento e daí tivemos que parar o colóquio e procurar um posto urgente. “Daí concluímos que, aqui na terra, sem combustível não há direção a seguir”. Enchemos o tanque o prosseguimos viagem.
Perto de chegar ao destino, tivemos um pequeno susto, numa curva acentuada, como não estava habituado com a dinâmica da direção hidráulica do Monza, o carro deu uma escapulida do ângulo da curva. Tivemos com muito esforço, controlar o carro, voltar à pista e seguir seguro. Daí filosofamos com tranquilidade, na vida as vezes damos umas saídas equivocadas e sofremos para achar o roteiro de volta. Mas com boa vontade, reconhecendo os nossos erros, encontramos mais rápido o caminho de volta. Lembramos da parábola do filho Pródigo contada por Jesus.
Chegamos ao destino e a palestra ocorreu num clima de muita paz e espiritualidade compartilhada, sob o cenário dos ventos uivantes da Serra. O tema da noite foi muito apropriado, explicado com ternura e sabedoria, o Sermão do Monte e as Bem Aventuranças. Descemos a Serra na mesma noite, depois de nos deliciarmos com um saboroso sanduiche macrobiótico e com a consciência pacificada pelo dever cumprido.
O espírito aventureiro continuou nos movendo. Esses esforços na divulgação da Doutrina em terras distantes, lembra muito as lutas ingentes dos primeiros cristãos, nas Comunidades do Caminho, retratadas pelo Professor Severino Celestino nas suas obras. Paulo de Tarso, por exemplo, percorreu mais de 2.000 mil quilômetros a pé, nas ásperas estradas de Israel, da Grécia entre outras, para divulgar o Evangelho do Cristo.
Na segunda viagem fomos em caravana ao Sertão Paraibano, para a cidade de Catolé do Rocha, 414 km de distância da capital. Fomos no micro-ônibus dos estudantes da Universidade Federal da Paraíba, que gentilmente nos cedeu para essa jornada. Éramos em torno de 20 pessoas, entre elas, José Raimundo de Lima, na época presidente da Federação Espírita Paraibana, o jornalista Azamor Cirne, Professor Carlos Romero, a turma jovem da Federação entre outros confrades. Uma verdadeira aventura pelas características do transporte, o calor do sertão que foi suavizado pela animação reinante. Nossa missão: divulgar o Espiritismo na comunidade de Catolé do Rocha, realizando um seminário sobre o tríplice aspecto da Doutrina Espírita: ciência, filosofia e religião. O encontro realizou-se no Centro Cultural Geraldo Vandré, com direito a debate. Recordamos do entusiasmo das falas de todos, particularmente do Professor Carlos Romero que discorreu sobre a Existência de Deus, segundo a filosofia Espírita. Parecia que estávamos no Parthenon da antiga Grécia. Choveu perguntas para o professor, todas respondidas com simplicidade peculiar ao seu estilo, respeitando o nível de entendimento do público. Foi uma viagem inesquecível, cheia de graça, aventura e conhecimento.
A terceira viagem que destaco, representa a nossa Grande Viagem com destino a infinitude da Vida, que o Professor realizou-a recentemente. Gostaria de concluir essa crônica, ofertando um poema ao nobre amigo Carlos Romero, agora livre como um pássaro, como espírito imortal na sua jornada de aprendizado constante, que os versos desse poema tecidos na intimidade do meu coração, traduzam minha gratidão pelos anos de convivência e de aprendizado:
A Grandeza da Vida
“A vida é um poema de beleza
Cujos versos são constituídos
De propostas de luz
Escritas na partitura da natureza
Que exalta a presença em toda parte”.
(Joanna de Angelis)
Poema grandioso aflorando no minúsculo protoplasma, embrião de todas as organizações da vida. No escoar incessante do tempo, esses seres primordiais, viajam no rumo dos seus destinos, sob a inspiração do Divino Artista.
Do átomo ao arcanjo, do simples ao complexo, do micro ao macro, tudo exalta a presença da vida. Das profundezas dos oceanos as mais distantes galáxias, nos multiversos fenomenais, desde a mais rude das criaturas aos mais sábios e santos, as asas da evolução impulsionam, voos e subidas, a vida é um poema de beleza escrito na partitura da natureza.
A Vida é grandiosa em si e por si mesma, a vida nunca cessa, a vida é imortal. Segue por todos os caminhos, pelos desertos áridos, pelos vales verdejantes, pelos montes sagrados. A vida é um poema de beleza escrito na partitura da natureza.
Com a filosofia a vida é sábia, com a ciência a vida se desvela, com a religião a vida transcende, com a arte a vida é bela.
Marco Granjeiro Lima é educador, mestre em serviço social e presidente da Federação Espírita Paraibana