João Guimarães Rosa, para além de grande obra que produziu, soube como ninguém criar ditos, alguns tornados aforismos, dignos de serem reproduzidos em qualquer roda erudita, sem perder, contudo, o sabor popular de um saber que atinge as pessoas na medula, não importando a classe social ou o grau de escolaridade. Um deles, de que mais gosto, encontra-se em "O burrinho pedrês", de "Sagarana": "quem é visto é lembrado" —, aprecio sempre dizer na negativa:
"Quem não é visto não é lembrado".
Para os que vivem querendo nos dar lições, apontando-nos verdades absolutas, em que nem eles mesmos acreditam, sugiro o "eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa".
O modo recorrente dos políticos brasileiros de sempre encontrar um jeito de fazer o errado e prejudicar a população, encontra guarida em "ser ruim, sempre, às vezes é custoso, carece de perversos exercícios de experiência".
Como, no Brasil, a inveja do sucesso do outro é visceral, pode-se aplicar o seguinte dito: "o que dá fama, dá desdém".
Para muitos que se dizem professores, mas relutam em aprender e, às vezes, nem sabem o caminho da sala de aula, nada melhor do que o "mestre não é o que sempre ensina, mas quem de repente aprende".
Diante do resultado das últimas eleições e de olho na nossa sociedade, que sofre com repetitivas situações constrangedoras, sendo enganada, apanhando e voltando para o abusador, patinando sem sair do lugar, eu próprio, se tivesse que escolher entre as inúmeras e geniais frases de "Grande sertão: veredas", escolheria "Por que é que todos não se reúnem, para sofrer e vencer juntos, de uma vez?".
É sabendo disso que, na volta, Sete-de-Ouros vence a enxurrada, salvando a si e a seu montador, o vaqueiro Badú. Salva-o duas vezes: da violência das águas da chuva, tornando caudaloso e violento o rio que deveria atravessar no retorno, e do ciúme de Silvino, cuja namorada Badú tomara. Movido pelo desejo de vingança, Silvino intenta aproveitar-se da embriaguez de Badú, para matá-lo e depois cair no mundo. Cegado pelo ciúme, Silvino é levado, junto com o seu cavalo, pela tromba d'água, morrendo afogado. Badú, "bebedérrimo", sequer se dá conta dos perigos que o atalham. Sete-de-Ouros, guiando-se pelo instinto, procura a segurança da travessia, que lhe permitirá salvar-se e a seu montador. Não importa o que Badú fizera, a sua obrigação era ir em frente e salvar-se, completar mais um trecho dessa linguiça: "Nada tinha com brigas, ciúmes e amores, e não queria saber coisa a respeito de tamanhas complicações".
A lição que Sete-de-Ouros nos dá — “burro é burro?”, pergunta o major Saulo a João Manico — é a da persistência naquilo que podemos fazer e, portanto, temos que fazer; na obrigação de, a cada dia, completar a nossa vida, sem desviar do norte e, sobretudo, sem procurar desperdiçar a oportunidade que temos de aprender quando, aos poucos, a vamos completando; da chance de aprender que “o mal-feito é mal-feito” e que se temos a condição de mudar alguma situação externa a nós, é porque, em primeiro lugar, procuramos fazer o que está a nosso alcance.
Afinal de contas, como "viver é perigoso", a Divina Providência nos criou para sermos mais do que "um homem ébrio", sendo atravessado em córrego cheio, "em cima de burro mui lúcido".