Meia dúzia de pequeninas xícaras. De café, de chá. Ornadas de florezinhas comuns vermelhas e um risco dourado nas bordas. Permanecem ali, num dos armários da cozinha, e que eu me lembre, nunca foram usadas. Emborcadas e esquecidas, seriam de utilidade se, por um feliz e raro acaso, a família se dispusesse a ressuscitar o costume de oferecer um cafezinho aos visitantes.

Mas, muitíssimas raras visitas. O costume foi quase abolido, na totalidade da convivência dos dias corridos das cidades maiores: antes, era comum um parente, aderente, conhecido, gente afeita à família constituída virem passar tardes alongadas em noites. Jogava-se conversa fora ou dentro, colocavam-se assuntos em dia, não vá agora, não; é cedo, (o relógio batendo quase meia-noite); nem esquentou o lugar, fulano, sicrano, beltrano ou no feminino nominados os visitantes. Jogava-se dominó, víspora, de rombo, cartas (nada de apostas em dinheiro). E as afamadas xícaras pequeninas e inúteis? Virgens.
Olhei para elas, a soslaio, como fiquei surpreso, como se as notasse pela primeira vez. Mas, respeite, foi presente de casamento. Presentes de casamento, no geral, ficam espalhados pelo quarto dos nubentes, depois recolhidos, arrumados, desarrumados, e, chega um tempo em que se tornam miscigenados às peças ordinárias, já antecedentes, que ocupam os móveis ou os recintos e gavetas. Conjuntos de porcelana, copos, panelas, etc. (enumerar come parte do texto, todos sabem).


Mas, toda essa escrita por causa de seis xícaras nunca utilizadas?! Eu, jamais poderia me omitir. Elas me fizeram relembrar quem as presenteou. Tão tímidas, tão comuns, pobres, mas significativas. Querem saber o nome de quem mas deu? É emocionante e prefiro ficar calado. Sem elas, nada haveria escrito, hoje. Fico a olhá-las. Esquecidas em seu retiro. Nem para servir um cafezinho donzelo servem. Deixemo-las virgens, castas e puras... Um dia, as utilizaremos? Duvido. Pode até ser.
José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista