Meia dúzia de pequeninas xícaras. De café, de chá. Ornadas de florezinhas comuns vermelhas e um risco dourado nas bordas. Permanecem ali, num dos armários da cozinha, e que eu me lembre, nunca foram usadas. Emborcadas e esquecidas, seriam de utilidade se, por um feliz e raro acaso, a família se dispusesse a ressuscitar o costume de oferecer um cafezinho aos visitantes.
Certamente, no meio deles, haveria um ou mais que puxasse algum cigarro da carteira, triscasse um isqueiro e puxasse uma fumaça do lado de fora da vivenda, em sinal de educação e respeito aos não apreciadores do odor e das espirais expelidos pelo canudinho a que muitos chamam de chupeta do cão (diabo).
Mas, muitíssimas raras visitas. O costume foi quase abolido, na totalidade da convivência dos dias corridos das cidades maiores: antes, era comum um parente, aderente, conhecido, gente afeita à família constituída virem passar tardes alongadas em noites. Jogava-se conversa fora ou dentro, colocavam-se assuntos em dia, não vá agora, não; é cedo, (o relógio batendo quase meia-noite); nem esquentou o lugar, fulano, sicrano, beltrano ou no feminino nominados os visitantes. Jogava-se dominó, víspora, de rombo, cartas (nada de apostas em dinheiro). E as afamadas xícaras pequeninas e inúteis? Virgens.
Olhei para elas, a soslaio, como fiquei surpreso, como se as notasse pela primeira vez. Mas, respeite, foi presente de casamento. Presentes de casamento, no geral, ficam espalhados pelo quarto dos nubentes, depois recolhidos, arrumados, desarrumados, e, chega um tempo em que se tornam miscigenados às peças ordinárias, já antecedentes, que ocupam os móveis ou os recintos e gavetas. Conjuntos de porcelana, copos, panelas, etc. (enumerar come parte do texto, todos sabem).
Eu mesmo não respondo por memória curta quem presenteou isso ou aquilo já desgastado sem uso. E os cartões oferecidos, desejamos ao casal que tenham vida longa e feliz caminhada no matrimônio, oferecimentos escritos que se esfacelam, se desgrudam no esquecimento, salvos alguns que se guarda nalguma nesga ou num pacote de plástico facilmente tomado pela poeira e as traças. Com as xícaras, não. Fazem-me lembrar quem as deu: coisa tão simples, para muitos fútil, comum, objetos bizarros, mas que mexeram comigo.
Afinal, em qualquer festa noutrora tempo, aniversário, bodas, casamento, os presentes eram entregues aos comemorados; hoje, há um posmodernista costume de amontoar os regalos num monte reservado num canto da sala de recepção. Ou seja, fica algo muito formal, distante. Bom é entregar ao aniversariante, ao casal, etc. o pacote ornado e brilhoso, geralmente circundado de fita. Cafona? (Ainda é assim que se diz, sei que bokomoco, jamais) O usual, conforme os costumes atuais, é levar e obedecer a algum mestre de cerimônias o protocolo (palavra tão usada, na pandemia) traçado desde a entrega da lembrança embrulhada até os cumprimentos. Tudo está perdendo a espontaneidade. Sei lá por que.
Mas, toda essa escrita por causa de seis xícaras nunca utilizadas?! Eu, jamais poderia me omitir. Elas me fizeram relembrar quem as presenteou. Tão tímidas, tão comuns, pobres, mas significativas. Querem saber o nome de quem mas deu? É emocionante e prefiro ficar calado. Sem elas, nada haveria escrito, hoje. Fico a olhá-las. Esquecidas em seu retiro. Nem para servir um cafezinho donzelo servem. Deixemo-las virgens, castas e puras... Um dia, as utilizaremos? Duvido. Pode até ser.
José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista