A Segunda Guerra Mundial trouxera muito desequilíbrio. Um alvoroço provocado pelos abalos das duas bombas atômicas que estraçalharam inocentes japoneses naquela sanha, naquele ódio que as guerras se incumbem de dilatar. Houve, é inegável, um reflexo no comportamento de uma geração emergente, na criançada nascida ao pavor de noticiários horrendos. A ceia que acabara de ser realizada na suntuosidade dos que comemoravam o final da hecatombe restou numa efusão de alegres embriagados. Ninguém se lembrava das vítimas de Hiroshima e Nagasaki.
Eu nasci no ano seguinte ao do armistício. Cabelo cortado a militar, usando calças curtas, meias de algodão; mantinha-me sisudo, compreendendo pouco ou quase nada, quanto ao final da hecatombe. Papai exultava. Acompanhara pelo rádio e por um mapa, que meu padrinho trouxera, a evolução da terrível guerra. E o seu final com o hasteamento da bandeira da paz que fez o mundo atordoado pular de alegria comemorando a vida.
Agora, a renovação ou a eclosão social, ética, moral que ameaçava fortemente todos os que se embutiam em conservar modelos, mesmo que mofassem em seus cabides.
Sempre foi assim, a História registra, imparcial e verdadeira, todas as movimentações do caráter humano impactado pelas novidades que vêm mostrar seus modelos nada aceitos facilmente. Somente a predominância dos mais ágeis e adeptos fazem capitular os resistentes que, murmurantes ou não, ingressam na nova ordem que vem como consequência de algumas ocorrências inevitáveis, como, neste exemplo, a Segunda Guerra Mundial. Uma tradição de sisudos começava a ser modificada e os sorrisos da sobrevivência a trazer emancipações dantes nunca suspeitadas.
Eu, menino, impactado e pertencente a uma geração de sobreviventes, nascido para conviver com as mudanças que foram ocorrendo no mundo inteiro e que conseguiu escapar de violenta sanha. Restou um canhão de plástico que espatifei contra a parede do tanque da lavanderia. Os tanques silenciados. Os aviões quietos. Os navios atracados. Tudo diferente na esquina dos terríveis acontecimentos por que passamos, e, agora, podíamos assobiar, cantar e nos sentir imunes às ameaças lançadas contra os países das Américas que ficaram imune aos bombardeios.
Havia um alvoroço nos costumes, os paletós recolhidos, as camisas ganhando corpo, as fábricas borbulhando, as mulheres usando calças jeans. Reviravolta exterior. A ganância e a ambição pelo poder e pelas riquezas, as dívidas amontoadas se erguiam contra os países mais pobres. A paz esvoaçava para amenizar. E havia, ao invés de sirenes, sopros de dobrados nas praças e retretas para sarar as antigas feridas causadas pela transição dos perfis de antes e pós-catástrofe mundial. Dançava-se ao ar liberto do medo. Menino, eu não sabia a total medida da transmutação. Apenas olhava faces de risos e de espanto recente. Estava vivo.
José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista