Há aqueles mais frenéticos, que programam o seu majestoso sábado e domingo no decorrer da semana, até chegar ao trampolim da sexta-feira, dando início aos saltos livres de suas frugais veleidades e alumbramentos.
Mas, eis que o domingo, que também é um abraço, começa a fenecer na tarde, como que arquejando lentamente e descarregando o prazer, quando anuncia os primeiros indícios da noite. Logo nos prenúncios do final do dia, adentrando-se na escuridão dominical.
Ver anoitecer um dia de domingo, é como assistir à ida de um pedacinho de sonho, aparentemente insignificante, mas, com uma dimensão grande demais para o seu tamanho, vibrátil, levando em conta a sua efemeridade. Enfim, é um espaço disfarçadamente subjugado a uma ampulheta temporizadora da vida que deixa no ar de seus mistérios os cheiros e sons dos dias impares.
Mas, é na segunda-feira que a nova sala de espera é formalizada, no corredor dolente da semana, a galopar compassadamente, mais que nunca, agora, nesse entediante e insustentável campo transbordado de vazios dessa bendita quarentena!
E, a impressão que fica, é que a energia se esvai, começa a minguar-se os nossos "encantos" e a apagar a luz, anunciando o escurecimento. O descanso se acaba, a alegria parece pegar carona nas horas fugidias, acompanhando o cortejo e vai embora. O ânimo, automaticamente, é arremessado para um dia torturante, geralmente, gerando a inesperada e agônica síndrome da segunda-feira.
No entanto, naquela segunda-feira de setembro, valeu a pena, sim, em pleno dia do sapateiro, calçar as sandálias da fraternidade para comemorar o aniversário de um amigo. Era uma segunda-feira. Imagine só!
Foi lá quando aconteceu o suficiente para que fosse suprimido o quadro afetado desse dia, provocado pela falta de motivação das velhas segundas.
Com toda poesia que lhe é peculiar, estava lá o poeta Oliveira de Panelas. Se o Papa Francisco soubesse o quanto ele anda aprontando por aqui, seria capaz de canonizá-lo mesmo antes de sua desencarnação. Dizem os prelados que a principal exigência para iniciar um processo de canonização é a existência de milagres. Se for por isso, o poeta Oliveira já chegou à exaustão.
E, enquanto a festa de aniversário rolava, o artista plástico Clóvis Júnior, concentrado, sonegava palavras para ficar pintando, no imaginário, a tarde viva. Quis matizá-la numa moldura abstrata, antes que ficasse tarde a tarde e não pudesse mais fazer da textura da expressão da tela o desenho de seu próprio ímpeto. Cassandra, sua mulher, com seu jeito tênue, voluntariamente, veio me dizer que estava fazendo haikai e que os contidos em meus livros tinham-na estimulado muito. Só o espírito “zen” tem poderes de manifestar as multiplicidades dos instantes de inspiração! Fiquei honrado e contente feito menino ao ganhar um presente de Natal. “
Badu, o pai da fantástica Lucy Alves, (estatura de Buda, o mago Buda), ao lado de sua amada Pérola Negra, espalhava os malabares de sua arte mágica feita de harmonia, musicalidade e bordão.
O sanfoneiro Amaral de Araruna, cara de cangaceiro, com o suor escorrendo nas laterais e no frontispício do rosto, mãos cheias de milagres, puxava o fole como quem joga uma lata d´água na cacimba para depois puxar, derramar pelo corpo e lavar a alma. Foi buscar, lá nos cafundós de Judas, os espinhos de saudades, as expressões amorosas da vida indelével do campo e as alegrias transformadoras, vertidas em melodia do céu.
Intercalando, entra em cena o jovem Vital como se fosse um Cartório de Registro. Com o seu cavaquinho, escriturou, carimbou e reconheceu a firma daquele pedacinho do céu. Aproveitou e costurou a tarde morna com as finíssimas cordas do cavaco, alinhavando aquele inesquecível facho de quindim. Nada menos que “Pedacinho do Céu”, o clássico de Waldir Azevedo. Enfim, tudo lenta e inebriantemente, se espargindo e sendo absorvido pelo próprio clima através de seu núcleo de eternidades.
A cantora mineira Lílian Jabour, quase sem falar – muito menos cantar – optou apenas por ver e ouvir. Em certa hora, solfejou uma canção silente de um jeito afável, enxugando o líquido que escorria no rosto do marido, vítima de um temporal que lhe provocou um sentimento líquido. Novamente, culpa do poeta Oliveira de Panelas, o construtor de chafariz nos olhos alheios.
Finalmente, a vida nos deu, mais uma vez, o testemunho de que a nossa existência deve ser sempre um eterno recreio de almas leves, saudáveis. E a segunda-feira, coitada, de repente, acanhada pelos cantos da sala, mas feliz e com cara de festa, provou que pode prolongar um fim de semana e recarregar o dia das energias que julgamos perdidas e desfeitas em um final de semana. Era segunda-feira.
Gracias a la vida!
Saulo Mendonça é escritor, poeta e haikaista