– Senhor Escritor...
– Vá embora! Não vê que estou me concentrando?
A menina se desculpou e ficou em silêncio, observando a expressão do homem. Ele parecia olhar para dentro de si. Depois de uns dois minutos, dirigiu-se a Alice com um ar aborrecido:
– Já falei que fosse embora. Preciso de concentração.
– Mas eu estou calada!
– Está olhando para mim, o que é pior. Não consigo pensar com alguém olhando para mim. Mesmo que seja uma menina como você.
Alice não gostou do que ouvira, mas resolveu não se contrariar. Sempre que se contrariava, ficava um pouco menor. O pior não era diminuir de tamanho, era ver que os outros notavam isso.
– Por que o senhor escreve?
– Ainda não descobri. Na verdade, escrevo para descobrir por que escrevo – respondeu o homem. Ficou tão satisfeito com a resposta, que resolveu usá-la em seu próximo escrito.
– E você, já escreveu alguma coisa?
– Uma vez tentei escrever uma história, mas era muito triste e acabei chorando. As lágrimas manchavam o papel.
– É verdade – concordou o Escritor – Não se pode chorar e escrever ao mesmo tempo. Além de manchar o papel, prejudica o estilo.
– Estilo? Engraçado... minha mãe sempre diz que eu preciso ter estilo. E agora o senhor vem com essa. O que é mesmo estilo?
– Estilo é o modo de fazer uma coisa. Cada um tem o seu.
– Se cada um tem o seu, por que mamãe diz que eu... “preciso” ter um?
– Sua mãe se refere a outro tipo de estilo. Quer que você se comporte bem.
– Então estilo é bom comportamento?
– Pelo contrário... Estilo é rebeldia – disse ele pensativamente.
Alice ficou sem entender e resolveu mudar de assunto:
– Posso lhe falar um pouquinho dos meus problemas?
– Não tenho tempo para ouvir; estou escrevendo. Além disso, que problemas pode ter uma menininha como você?
– Na verdade tenho um problema só, mas enorme. Eu até trocaria esse problemão por alguns problemas menores.
– E qual é seu grande problema? – quis saber o Escritor, imaginando se poderia tirar dali uma história.
– Mudar de tamanho. Nunca ser muito tempo uma coisa só.
– Fique tranquila, você não é a única. Esse é o problema de todo o mundo.
– Isso não me faz sofrer menos. Nem todo o mundo aumenta ou diminui do mesmo jeito. Depende do... estilo de cada um.
– O que você diz tem sentido, mas não muda as coisas. Você não é diferente dos outros, e nada do que me disser vai ser novidade.
Desapontada, a menina resolveu ir embora. Não dava para conversar com alguém que só queria olhar para si mesmo e não tinha tempo de escutar os outros.
Chico Viana é doutor em teoria literária, professor e escritor