A professora, antes que tocasse a sineta do recreio, recolhia os trabalhos dos alunos para aproveitar o intervalo para uma vista geral sobre a genialidade de cada qual. Saíam todos, empurrões, gritos, soltos, a correr suas liberdades provisórias pela mancha gostosa da mangueira, escalando escadarias, pulando muros, fazendo pipi, comendo os lanches numa ausência de carteiras e bons comportamentos.
Ao tilintar o sininho de alerta sobre o final dos quinze minutos de descontração, retornavam todos suados, amarrotadas as fardas, os cabelos assanhados, cicios a estender a piada contada baixinho para que as meninas não ouvissem. Coisas de causos indecentes para os padrões e a idade que viviam. Logo se arrumavam nos lugares reservados e examinavam a expressão da professora que achavam bonita e cheirosa, usando um decente vestido de bolas. Uma elegância maior se não fora aquele repuxar o pescoço para o lado direito e estender o lábio inferior, para depois chamar o nome do discípulo a ser arguido.
A sala ficava menor para quem se levantava, a fim de justificar o trabalho de pintura. Antes do aluno de quem falamos, em destaque, no início, alguns e algumas se saíram bem ou medianamente nas notas variadas. Cada figura pintada com as tintas aplicadas corretamente. O sorriso nos lábios de quem passara no teste.
Por último, o que provocou o eclipse verde e revestiu a folhagem de tinta rubra, se dirigiu, sem tropeços, para ser avaliado. A professora abriu o caderno, disse ter sido ele o único dez da turma. Muitos reclamaram, zunzum sonoro de certa indignação. Conheciam a fama de anarquista do colega que procurava subverter os exercícios, zombando da cara de todos. A mestra emocionada estava abraçada a ele, dando-lhe os parabéns pela originalidade da pintura. Nem mesmo o aluno, que fizera o dever pictórico por espírito de contrariar, entendia tudo aquilo.
E justificou a sua decisão: a árvore incendiada e o sol esverdeado. Justamente o que viria a acontecer, atualmente, nas matas virgens, nos tesouros das florestas, quando árvores são sacrificadas: vertendo sangue. O símbolo estava num sol que iluminasse em cores macias a esperança da redenção. Aplaudiram o colega vencedor.
Saíram de seus lugares e abraçaram aquele por quem tinham certa desconfiança e era considerado, no geral, como um número a mais na sala de aula. Ledo engano...
José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista