Dois motivos para não faltar, somados à delicadeza de Bené e da médica Rosângela Amorim, sua esposa: o de ter presente um divulgador das questões novas do Direito, como as da Informática, e o de invejar os dois, tanto ele como Bené, poeta da matemática, ambos ex-alunos do Seminário de Ipuarana.
O magneto de A União, no estágio em que estou, já não atrairia com tanto azougue; são tantos os companheiros, uma geração após outra, presos a esse imã de afinidades! Mas Ipuarana - Nossa Senhora! - retém meus olhos de adolescente colados em seus paredões cor de barro desde que o fundaram. Um olhar de coroinha de igreja em preparo para entrar noutro seminário, o da capital, mas sempre atraído de passagem por aquele bosque de onde sobressaía o campanário franciscano. No íntimo, eu não queria ser padre nem frade, mas já que me obrigavam, aquele teria sido o meu lugar.
Quando fugi do internato do Pio XI e tirei, a pé, de Campina a Alagoa Nova, empurrei a porteira da estrada e penetrei no túnel verde até o castelo que encantava os meus olhos na passagem por Lagoa Seca. Era um castelo, sim, e me deixaram entrar, e me deram água, e me perguntaram se tinha fome. E de lá saí fornido para a outra metade da viagem. Lombar seis léguas a pé não foi tanto por falta de dinheiro, mas como habeas corpus emocional para me livrar da surra certa de casa.
— “Fugiu?” — vi nos olhos a reação de meu pai.
— “Coitadinho, venha pra cá meu filho” — atalharia minha mãe.
Fernando Vasconcelos dedica-me seu livro recém-lançado, currículo memorialístico de toda uma vida, e lá vem outra boa surpresa: o homem é de Pedra Lavrada, lugar em que passei numa das secas, estrada ainda de barro, a malacacheta faiscando, mas lugar que eu já levava dentro de mim, pelas conversas que ouvi, menino, do primo Agustinho.
Falavam da seca, da pedra fervendo, e entre uma garfada na macaxeira, na carne seca, lá vem a extravagância do primo, desatando a risada larga e sonorosa de meu pai.
“O que é que você está fazendo aí em cima?” – encenava Agustinho na mesa o que fizera na estrada, os braços para o alto, coisa de doido, falando com o céu - “Em vez de queimar de cima pra baixo, por que não queima de baixo pra cima?”
Ele vinha de Canoas, daquele mundo, descendo para o Brejo com o carrego de queijo, carne seca, couro de bode, juá e mel de uruçu; e voltava para o Curimataú com a rapadura e a farinha dos caixões lá de casa. Lazarino alto, bom de conversa, de uma simpatia que só me vinha a vontade de ir embora com ele. Mas como Minas, Canoas não existe mais!
Gonzaga Rodrigues é escritor e membro da APL