Gosto de vinho. Sei muito pouco sobre vinhos. Não pretendo nunca me tornar um especialista em vinhos. Sobre estes três alicerces básicos co...

Sobre vinhos: considerações de um amador

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana francisco gil messias vinhos enologia wine vinho paladar gastronomia bebida enochato

Gosto de vinho. Sei muito pouco sobre vinhos. Não pretendo nunca me tornar um especialista em vinhos. Sobre estes três alicerces básicos construí minha adega imaginária e me dou por satisfeito. Não desejo mais do que isso. Deus me livre de me tornar um enochato, aquele sujeito que, ao invés de degustar o vinho, prefere fazer conferência sobre ele, entediando mortalmente os companheiros de mesa que não sejam também enochatos.

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana francisco gil messias vinhos enologia wine vinho paladar gastronomia bebida enochato
Jennifer Griffin
Vinho envolve muitas histórias. É como pescaria, assunto sobre o qual já se convencionou, com ou sem razão, ser um terreno fértil para a fantasia – ou para a mentira, simplesmente. Acredito que os amantes do vinho não atingiram ainda o nível de descrédito dos pescadores, mas não é impossível que os primeiros logo igualem estes últimos, sobretudo porque ultimamente tem-se bebido mais do que pescado.

É um fato: no Brasil vinho virou moda nos últimos anos. Pelo menos, nos segmentos sociais mais “sofisticados” (aqui a palavra vai entre aspas mesmo, para corresponder à realidade), já que a galera continua gostando mesmo é de cachaça e de cerveja, no que faz muito bem, ora ora. Há diversas explicações para o fenômeno, desde a maior facilidade de importação de vinhos estrangeiros, a razoável acessibilidade dos preços, a expansão das informações a respeito, até a possível influência comportamental dos “inteligentinhos”, assim chamados ironicamente pelo filósofo Pondé aqueles que adoram se reunir em torno de uma boa garrafa e finos acepipes para discutir a fome africana. Fofo (como diria o citado pensador). Mas não vamos discutir aqui, é claro, essas questões. Fiquemos apenas com a constatação do fato.

Minha modesta – e moderada - carreira etílica foi, como aconteceu e acontece com muitos, economicamente determinada. Comecei pela cerveja e pelo rum, mais ao alcance do meu bolso de estudante; depois passei ao uísque, até chegar, há alguns anos, ao sagrado produto das viníferas, onde pretendo permanecer até o fim, sem aposentadoria, se Deus e o fígado permitirem. Da experiência acumulada com o milenar derivado das uvas, aprendi algumas coisas fundamentais, sem nem precisar chamar o sommelier: primeiro, mais valem a companhia e a conversa do que a bebida, pois beber é antes de tudo conviver - só os alcóolatras bebem sozinhos; segundo, vinho é bebida mas é também remédio para as coronárias e a alma, como bem se sabe; e terceiro, dá para se beber com razoável satisfação praticamente qualquer vinho, inclusive os mais simples, salvo se estiver avinagrado, claro. Nem sempre o vinho mais festejado é o que mais agrada ao nosso gosto particular.

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana francisco gil messias vinhos enologia wine vinho paladar gastronomia bebida enochato
Stephanie Merzel
Com frequência puxo conversa com os garçons. Assim como os motoristas de táxi (não os de Uber), são ótimos conversadores e estão sempre bem informados. Certa vez, num restaurante da aldeia, estava elogiando a um desses beneméritos a boa relação custo/benefício de um vinho que ele me indicara, quando o mesmo se saiu com o seguinte relato: um cidadão chegou ao restaurante acompanhado da namorada (não era a esposa e vocês vão entender por quê) e foi logo pedindo o vinho mais caro da casa (entenderam?), antes mesmo de ver a respectiva carta. Vejam só que finesse e que sabedoria. O garçom, malandro e feliz, trouxe uma garrafa que custava quase três mil reais. Serviu o cliente, que logo lhe chamou para dizer que o vinho estava estragado. O garçom tentou argumentar que não. Terminaram chamando o gerente, o qual, com seu suposto saber, confirmou que o vinho estava bom, apenas era mesmo um pouco encorpado devido ao tipo de uva usado na fabricação da bebida. O sujeito, vendo que não tinha como prevalecer sobre os profissionais e considerando o visível e justificado constrangimento da namorada, rendeu-se finalmente, resolvendo pedir uma garrafa mais barata de um vinho que já conhecia. E assim a noite terminou bem para todos, pelo menos para o garçom e o gerente. Interessante, não? Só espero que não seja uma história de pescador.

Apesar de já ter adquirido alguma prática no assunto, confesso uma invencível incapacidade para identificar aromas no vinho. Evidente que aqui e acolá sinto a presença mais acentuada de algum odor específico, mas a regra é não saber distinguir ervas, madeiras, tabaco, frutas vermelhas, por mais que tente. Que fazer? Ora, relaxar e beber, não é mesmo? O vocabulário que envolve o mundo dos vinhos também não é para amadores, como eu. Mas já cheguei a aprender, mais ou menos, o que significa uma palavra muito cara aos enochatos: terroir, palavrinha francesa que serve para designar a “interação de clima, variedade de uvas e solo”, tudo aquilo que pode diferenciar um vinho de outro. Já é alguma coisa para quem pretende tão pouco.

Valentin Janiaut
Outra verdade que também se vai aprendendo com o tempo é que cada qual tem o seu gosto pessoal com relação aos vinhos. Uns preferem os mais suaves, outros os mais encorpados; uns se afinam mais com um determinado tipo de uva, e por aí vai, mas nunca presenciei ninguém deixar de beber um vinho por não ser ele o seu preferido, o que confirma minha convicção de que só se rejeita os avinagrados. E já vi, com satisfação, muito vinho modesto desbancar vinho esnobe.

Finalizando, há duas frases sobre vinhos de que gosto muito, pois expressam minha filosofia vínica. Uma é “Vinho é 99% psicológico, uma criação do lugar e da pessoa com quem se está”, de Lawrence Osborne, autor britânico. A outra é “Do vinho eu só quero a alegria. As marcas, os rótulos e as safras, deixo para os amadores”, de autor cujo nome que não lembro. Isto resume, em linhas gerais, o que penso sobre o néctar admirável. E é com tais pensamentos que convido agora o leitor a alegrar mais a sua vida. Tim tim!


Francisco Gil Messias é cronista e ex-procurador-geral da UFPB

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Muito bom ...Francisco Gil Messias.. aprendi o que não sabia!!
    Sinto-me confiante à beber qualquer vinho!!!
    Paulo Roberto Rocha

    ResponderExcluir
  2. A sensacao de ler uma bela cronica eh paraceida com a de degustar um bom vinho. As duas fazem bem ao espirito.
    Parabens FGMessias!

    ResponderExcluir
  3. In vino veritas...
    É isto mesmo, caro Gil.
    Saudemos nossa amizade com um tinto de nosso agrado.

    ResponderExcluir

leia também