Gosto de vinho. Sei muito pouco sobre vinhos. Não pretendo nunca me tornar um especialista em vinhos. Sobre estes três alicerces básicos construí minha adega imaginária e me dou por satisfeito. Não desejo mais do que isso. Deus me livre de me tornar um enochato, aquele sujeito que, ao invés de degustar o vinho, prefere fazer conferência sobre ele, entediando mortalmente os companheiros de mesa que não sejam também enochatos.
Vinho envolve muitas histórias. É como pescaria, assunto sobre o qual já se convencionou, com ou sem razão, ser um terreno fértil para a fantasia – ou para a mentira, simplesmente. Acredito que os amantes do vinho não atingiram ainda o nível de descrédito dos pescadores, mas não é impossível que os primeiros logo igualem estes últimos, sobretudo porque ultimamente tem-se bebido mais do que pescado.
É um fato: no Brasil vinho virou moda nos últimos anos. Pelo menos, nos segmentos sociais mais “sofisticados” (aqui a palavra vai entre aspas mesmo, para corresponder à realidade), já que a galera continua gostando mesmo é de cachaça e de cerveja, no que faz muito bem, ora ora. Há diversas explicações para o fenômeno, desde a maior facilidade de importação de vinhos estrangeiros, a razoável acessibilidade dos preços, a expansão das informações a respeito, até a possível influência comportamental dos “inteligentinhos”, assim chamados ironicamente pelo filósofo Pondé aqueles que adoram se reunir em torno de uma boa garrafa e finos acepipes para discutir a fome africana. Fofo (como diria o citado pensador). Mas não vamos discutir aqui, é claro, essas questões. Fiquemos apenas com a constatação do fato.
Minha modesta – e moderada - carreira etílica foi, como aconteceu e acontece com muitos, economicamente determinada. Comecei pela cerveja e pelo rum, mais ao alcance do meu bolso de estudante; depois passei ao uísque, até chegar, há alguns anos, ao sagrado produto das viníferas, onde pretendo permanecer até o fim, sem aposentadoria, se Deus e o fígado permitirem. Da experiência acumulada com o milenar derivado das uvas, aprendi algumas coisas fundamentais, sem nem precisar chamar o sommelier: primeiro, mais valem a companhia e a conversa do que a bebida, pois beber é antes de tudo conviver - só os alcóolatras bebem sozinhos; segundo, vinho é bebida mas é também remédio para as coronárias e a alma, como bem se sabe; e terceiro, dá para se beber com razoável satisfação praticamente qualquer vinho, inclusive os mais simples, salvo se estiver avinagrado, claro. Nem sempre o vinho mais festejado é o que mais agrada ao nosso gosto particular.
Com frequência puxo conversa com os garçons. Assim como os motoristas de táxi (não os de Uber), são ótimos conversadores e estão sempre bem informados. Certa vez, num restaurante da aldeia, estava elogiando a um desses beneméritos a boa relação custo/benefício de um vinho que ele me indicara, quando o mesmo se saiu com o seguinte relato: um cidadão chegou ao restaurante acompanhado da namorada (não era a esposa e vocês vão entender por quê) e foi logo pedindo o vinho mais caro da casa (entenderam?), antes mesmo de ver a respectiva carta. Vejam só que finesse e que sabedoria. O garçom, malandro e feliz, trouxe uma garrafa que custava quase três mil reais. Serviu o cliente, que logo lhe chamou para dizer que o vinho estava estragado. O garçom tentou argumentar que não. Terminaram chamando o gerente, o qual, com seu suposto saber, confirmou que o vinho estava bom, apenas era mesmo um pouco encorpado devido ao tipo de uva usado na fabricação da bebida. O sujeito, vendo que não tinha como prevalecer sobre os profissionais e considerando o visível e justificado constrangimento da namorada, rendeu-se finalmente, resolvendo pedir uma garrafa mais barata de um vinho que já conhecia. E assim a noite terminou bem para todos, pelo menos para o garçom e o gerente. Interessante, não? Só espero que não seja uma história de pescador.
Apesar de já ter adquirido alguma prática no assunto, confesso uma invencível incapacidade para identificar aromas no vinho. Evidente que aqui e acolá sinto a presença mais acentuada de algum odor específico, mas a regra é não saber distinguir ervas, madeiras, tabaco, frutas vermelhas, por mais que tente. Que fazer? Ora, relaxar e beber, não é mesmo? O vocabulário que envolve o mundo dos vinhos também não é para amadores, como eu. Mas já cheguei a aprender, mais ou menos, o que significa uma palavra muito cara aos enochatos: terroir, palavrinha francesa que serve para designar a “interação de clima, variedade de uvas e solo”, tudo aquilo que pode diferenciar um vinho de outro. Já é alguma coisa para quem pretende tão pouco.
Outra verdade que também se vai aprendendo com o tempo é que cada qual tem o seu gosto pessoal com relação aos vinhos. Uns preferem os mais suaves, outros os mais encorpados; uns se afinam mais com um determinado tipo de uva, e por aí vai, mas nunca presenciei ninguém deixar de beber um vinho por não ser ele o seu preferido, o que confirma minha convicção de que só se rejeita os avinagrados. E já vi, com satisfação, muito vinho modesto desbancar vinho esnobe.
Finalizando, há duas frases sobre vinhos de que gosto muito, pois expressam minha filosofia vínica. Uma é “Vinho é 99% psicológico, uma criação do lugar e da pessoa com quem se está”, de Lawrence Osborne, autor britânico. A outra é “Do vinho eu só quero a alegria. As marcas, os rótulos e as safras, deixo para os amadores”, de autor cujo nome que não lembro. Isto resume, em linhas gerais, o que penso sobre o néctar admirável. E é com tais pensamentos que convido agora o leitor a alegrar mais a sua vida. Tim tim!
Francisco Gil Messias é cronista e ex-procurador-geral da UFPB