Em 1705, Johann Sebastian Bach viajou 400 km, de Arnstadt a Lübeck, a pé, para conhecer seu ídolo Buxtehude, o que mostra que não sou tão doido, pois em 68 viajei mais do que ele (452 km), de Pombal, no alto sertão paraibano, onde morava, até o Recife, para ver o filme 2001 – a maior das várias obras-primas de Kubrick – mas no meu fusca.
Saí da cidadezinha então sem livrarias, bancas de jornais, bibliotecas, com a água vendida em carro de boi – diretamente pra Pré-História, para uma viagem a Júpiter, o tempo brincando inclusive na trilha sonora que incluía o contemporâneo György Ligety – que ia de "Atmospheres" a "Lux Aeterna" – ao clássico Richard Strauss e seu de repente avançadíssimo "Also Sprach Zarathustra".
Eis que, quando menos esperava, uma cançãozinha e uma das histórias da Bíblia que meu pai contava – a de Davi e Golias — me remeteram à infância: o HAL 9000 (Heuristically Programmed Algorithmic computer), depois de eliminar toda a tripulação da nave Discovery, tem a memória atacada por David Bowman, que lhe faz uma espécie de lobotomia (o nome Davi - claro - em alusão ao desigual embate bíblico, que termina numa pedrada na cabeça do gigante). A fim de provar que não está sendo afetado, o equipamento canta uma canção de 1892:“Daisy Bell – A bicycle built for two”, que o roteirista Arthur Clarke vira ser sintetizada e cantada pelo computador IBM 704. em 1961, numa façanha tecnológica dos Bell Laboratories que o impressionara muito, a mesma cançãozinha que eu ouvia o tempo todo nas transmissões da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, nos anos 40 ou 50, quando minha mãe e minhas irmãs – costureiras profissionais — ouviam suas novelas ou programas de auditório, tipo César de Alencar ou Hora do Pato — do Ary Barroso –, nos intervalos comerciais, um jingle que se destacava pelo ritmo lento e enorme extensão: o do xarope Phymatosan:
Phy-ma-to-san,
Quando você tossir.
Phy-ma-to-san,
Se a tosse re-sistir.
Quando você tossir.
Phy-ma-to-san,
Se a tosse re-sistir.
E eis que vi e ouvi o HAL 9000 cantar, no cinema de Recife, em 68, a mesma musiquinha do comercial, com outra letra:
“Daisy, Daisy,
Give me your answer do.
I´m half crazy, all for the love of you…”
Give me your answer do.
I´m half crazy, all for the love of you…”
“Daisy, Daisy,
Me dê sua resposta.
Tô meio maluco, tudo por causa do seu amor… ”
Me dê sua resposta.
Tô meio maluco, tudo por causa do seu amor… ”
Bem. 2001 chegou, 33 anos depois daquele meu dia louco no Recife, nada de base em Júpiter nem qualquer odisseia no espaço, ... mais 19 anos se passaram e, agora, fico sabendo que aí vem coisa. Nas leituras que fiz sobre o filme, naquela época, constava que Kubrick – enquanto Arthur Clarke aviava o roteiro – comprara da NASA o direito de construir uma estação orbital – aquela que vemos girar em volta da Terra ao som valsante do Danúbio Azul — de outro Strauss, Johann.
Era um projeto de Wernher von Braun – cientista nazista que fora um dos criadores da Bomba V-2 e que terminaria por criar o foguete Saturno, que levaria o homem à Lua no ano seguinte ao do lançamento de “2001”. Esse projeto está pra se tornar realidade:
“O lançamento da The Von Braun Rotating Space Station - estação espacial que gira em torno de si mesma para produzir gravidade artificial - vai acontecer em 2025. A ideia, elaborada pelo cientista alemão nos anos 50 – publicada na revista Collier´s - vai virar realidade graças à empresa Gateway Foundation. A estação será equipada com quartos de luxo, restaurantes e escritórios e poderá abrigar até 30 mil pessoas por ano, entre turistas e pesquisadores”.
A Odisseia entre minha memória e minhas expectativas, portanto, ainda não terminou.
W. J. Solha é dramaturgo, artista plástico e poeta