Estudei os dois últimos anos do curso primário na conhecida Escola Santa Terezinha, situada na Rua das Trincheiras, 401 em João Pessoa, pertencente às professoras Tércia e Maria da Luz Bonavides. Inúmeros paraibanos, hoje famosos, tiveram o privilégio de terem aprendido suas primeiras letras nessa escola de escol que formou centenas de alunos de várias gerações por um período de pelo menos 40 anos. Minha mãe e meu tio também foram alunos desse conceituado educandário.
Quando comecei a escrever meu livro de memórias “O caçador de lagostas” publicado pela editora Labrador, São Paulo, 2018, e estava a pesquisar mais detalhes sobre a vida de Dona Tércia, soube que a professora Regina Rodriguez Bôtto Targino estava concluindo um livro sobre a biografia da famosa professora. A escritora durante seu trabalho havia descoberto o “Álbum de Tércia Bonavides”.
Dona Tércia era solteira e também tinha seu lado culto e romântico. Esse era um álbum de recordações ou lembranças com depoimentos, poesias, sonetos e desenhos de pessoas ilustres da Paraíba e do Brasil.
Nele, escreveram muitas pessoas famosas, destacando-se: João Rodrigues Coriolano de Medeiros, José Américo de Almeida, Francisco Mangabeira Albernaz (artista plástico baiano), Carlos Dias Fernandes (jornalista, poeta e romancista), Austro Costa (Academia Pernambucana de Letras), Américo Falcão (um dos maiores trovadores da Paraíba e patrono da Academia Paraibana de Letras), Raul Machado (romancista e patrono da Academia Paraibana de Letras), Eudes Barros (poeta, historiador e romancista), Leandro Maynart Maciel (engenheiro, governador e senador sergipano), Palmyra Guimarães Wanderely (líder feminista, considerada “Poetisa Oficial” de Natal, RN e membro da Academia de Letras do Rio Grande do Norte), Adhemar Vidal (possuidor de vasta produção literária, membro da Academia Paraibana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano), Raul Bittencourt (médico, deputado gaúcho, secretário executivo do Ministério de Educação e Saúde Pública do governo provisório de Getúlio Vargas), Viriato Correa (jornalista maranhense, autor de vários livros infanto-juvenis, romancista, teatrólogo, deputado federal e membro da Academia Brasileira de Letras), dentre inúmeros outros paraibanos famosos.
Para grande surpresa minha, havia nesse álbum uma poesia escrita por minha mãe Zuleida Rolim, nunca relatada por ela a seus dois filhos, escrita em novembro de 1932 quando tinha apenas 13 anos de idade, intitulada “No dia das férias”:
Peço a palavra! Senhores
E Senhoras – Não é trama
Destes versos incolores
Surgirem extraprograma
Foi coisa minha, somente,
Dizer nesta ocasião
Tudo, tudo quanto sente
Meu pequeno coração.
Depois de tanta alegria,
Tanto prazer de verdade,
Ouvirei, em demasia
Os acordes da saudade.
Saudade... tão penetrante
Que até tristeza produz
Saudade sempre constante
De Tércia ou de Daluz.
Saudades que eu vou curtir
Quantas lembranças congregas?
Saudades... que eu vou sentir
Das minhas boas colegas.
Saudade sim, verdadeira
D’aulas da gente, de tudo,
Da hora da brincadeira
Antes da hora do estudo!
Ecoa n’alma um binário
De saudades, desde já,
Desse passeio diário
Que tão cedo voltará!
Desculpe-me, circunstantes,
Colegas e mestres meus;
As saudades são bastantes,
Meus cumprimentos. Adeus.
A segunda surpresa, ainda maior, foi constatar que a primeira página do “Álbum de Tércia Bonavides” havia sido escrita por Coriolano de Medeiros em 8 de outubro de 1922. Fiquei impressionado e deveras emocionado com o lirismo desse belíssimo depoimento oferecido à professora Tércia, repleto de um linguajar com um sentido poético tão elevado que poucos escritores teriam ou terão a capacidade de imitá-lo.
"Tércia,
Desejando que os teus momentos de felicidades se ajustem ao número de palavras que neste Álbum se inscreverem, nele tentei registrar algumas linhas. E que tempo me demorei olhando esta folha plácida, alvíssima, imácula fotografia simbólica de tua alma de menina e moça!
Assim, vi-me preso à indecisão, à falta de ideias boas, na ausência de um pensamento feliz. E a minha imaginação doudejou, voou por todo o universo: buscou as cintilações das estrelas ou o deslumbramento de um fio de sol, quis tingir as asas no rosicler da aurora; tentou embriagar-me com o saudável aroma das flores; debateu-se comovida ouvindo o ciciar dolente da linguagem das fontes; escutou em alegrias a música feiticeira do passaredo em festa; distendeu-se num esforço máximo para beijar a maciez do cetim dos céus; alçou-se silenciosa escutando as formidáveis orquestrações dos mares; subiu alto, muito alto, para descobrir a inspiração sublime e tombou desiludida, exausta, no seio do impossível!
E assim, Tércia, inteligente, gentil e boa, desculpa:
- Deixo esta folha em branco!"
Sérgio Rolim Mendonça é Engenheiro Sanitarista e Ambiental