Gostaria de pontuar alguns desses recantos que visitei e me fizeram dormir feliz, imaginando que minha cota de turismo estava plena:
Bath
Fomos de trem de Cardiff para Bath. Passada uma hora de viagem, de repente tudo ficou escuro. Percebi que havíamos entrado num túnel. Respirei fundo para não deixar minha claustrofobia me sufocar. Quando olhei para os lados, enxerguei uma parede colada à janela e nada do túnel terminar. Que montanha grande, exclamei! Que montanha que nada! Descobri, em seguida, que havíamos atravessado o imenso estuário do rio Severn, por debaixo d'água. Ai minha claustrofobia! Foram 15 ou 20 minutos de escuridão.
Bath é uma das mais lindas cidades inglesas, toda pincelada por resquícios dos romanos, que lá deixaram maravilhas, como: os Thermae Bath Spas; o Walcot Parade, do período georgiano, com arquitetura imponente e outras relíquias; a Bath Abbey, catedral de estilo gótico; jardins majestosos; a ponte Pulteney, de 1770, que cruza o rio Avon (sim, o mesmo rio de Stratford-Upon-Avon, a cidade de Shakespeare); muitos cafés lotados; lojas de fudges, antiques, cornish bakehouses e ruelas floridas para nos perdermos e nos acharmos a toda hora, como nos orienta o arquiteto Legorreta.


O pão realmente merece a fama, sem falar da geléia, do chá preto fumegante e do prazer de pisar naquele solo de assoalho com som abafado. Senti-me uma Tess of the d'Urbervilles, e cheguei a visualizar uma charrete na porta, e um destino (fate) não aprisionador e estóico, mas um destino como possibilidade de rememorar um passado fantasioso. Fizemos uma visita ao Jane Austen Centre, onde há uma exposição permanente com objetos que contam as experiências da escritora das ironias e das razões & sensibilidades em Bath. Lembrei da minha amiga Genilda e seus estudos sobre essa escritora tão perspicaz da sociedade Vitoriana e das angústias femininas. Fechei os olhos para visualizar as cenas de Emma, Mansfield Park, e Orgulho & Preconceito. No museu, rendas, livros, filmes, e a história dos costumes e dos enredos de Persuasão.
Narberth
cidadezinha que é considerada o coração rural da região de Pembrokeshire, na parte oeste do País de Gales. Ruas estreitas, lojinhas de bijuterias, antiguidades, artcraf, pequenas galerias, loja indiana (tem henna vermelha?), um café bacana, um pub tradicional e uma delicatessen com prateleiras de azeite extra virgem do chão ao teto. A pequenina cidade é conhecida pelo seu talento gourmet. Almocei uma salada deliciosa de queijo de cabra (hum hum!!!). Cabaceiras precisa aprender a receita!
Tenby
Uma praia com a cara da Cornualha, também na região de Pembrokeshire, famosa pelo porto cheio de barcos e suas casas em estilo Georgiano. O domingo estava frio, cinzento, mas, mesmo assim, havia muita gente na rua. Fomos passeando a esmo e demos de cara com uma casinha com uma placa: George Eliot (pseudônimo da escritora Mary Ann Evans) escreveu aqui seu primeiro romance. Uma foto – click! Ventava, e nas fotos estamos todas com o cabelo arrepiado – As garotas dos Morros Uivantes! Provamos crocs (sapato de borracha, tipo alemão/holandês Beirkenstock) de todas as cores, mas saímos de mãos vazias – milagre! Ali perto, uma galeria/papelaria de arte. Cartões dessa paisagem dos filmes ingleses de romance do século XIX. Na volta para casa, um curry "para viagem". Tudo apimentado. Tudo delícia.
Southerndown
Fica na região leste de Gales. Uma praia do patrimônio de Glamorgan, que tem a segunda maior maré do mundo, ou seja uma beira-mar imensa, com suas nervuras na areia, coberta de seixos (pebbles) cinzas aveludados. Trouxe um balde deles para misturar com os objetos de arte popular da minha sala.

Cowbridge
Localizada no Vale de Glamorgan, que parece nome das estórias de Harry Porter... ou talvez das Brumas de Avalon?. Fui a primeira vez nessa linda cidadezinha pitoresca, no sul do País de Gales, há mais de 34 anos. Encantei-me com as lojinhas sofisticadas (comprei uma bolsa de oncinha, antes de virar fashion, com a qual tenho ido às festas, desde casamentos aos desfiles do bloco Cafuçu). Admirei os wine bars e as balaustradas floridas de suas casas tão típicas, tão britânicas. Dessa vez, fomos numa ruela, a mesma de anos atrás, e tirei uma foto no mesmo lugar. Gosto de fazer isso – Repetição com Diferença! Lembro que, em 1975, visitando Londres pela primeira vez, estive na feira de antiguidades de Portobello, em Notting Hill, e lá tirei uma foto com um rapaz deficiente visual, que tocava sanfona. Dez anos mais tarde, por ocasião de uma outra visita, também no domingo, lá estava ele, na mesma esquina, com a mesma sanfona, mas com seus cabelos já brancos e encardidos. Apresentei-me e disse-lhe de onde vinha, e que o conhecia por meio dos meus álbuns de fotografias. Emocionado, ele me abraçou, tirou outra foto e tocou uma música só para mim. Já acreditava em acaso e aí fiquei perplexa com os encontros & desencontros dessa vida das não-coincidências.
Brecon
Um lugarejo escondido nas montanhas (Brecon Beacons) e à beira do rio Usk. No caminho um castelo erguido num penhasco, corredeiras e cheiro de mato. Fomos de carro e, assim, pudemos apreciar a paisagem, com um guia turístico particular, minha irmã Teca, que nos mostrava cada palmo por onde corria nas maratonas de que é adepta. Nesse cenário bucólico, avistei novamente Meryl Streep e seu personagem da Mulher do Tenente Francês, dessa vez, sentada no bosque a desmanchar os cabelos para o personagem de Jeremy Irons, que enlouquecia de desejo, já não sabendo mais distinguir a bruma tênue das fronteiras do que fosse ficção e realidade.

Voltamos à noitinha. Quando chegamos em casa, meu cunhado estava a cantarolar música brasileira, enquanto cozinhava lentilhas com especiarias e servia mais um vinho tinto, com velas na mesa. Acho que o coletor de resíduos deve ter ficado curioso com aquela casa, onde todas as noites havia sempre uma garrafa de vinho seca no portão...
E de vinho em vinho, de palmo em palmo, de esquina em esquina, de chá em chá, de quiche em quiche, de paisagem em paisagem, de susto em susto, de desejo em desejo e de lugares em lugares, naquela noite fui percorrendo meu mapa, minhas (des)orientações e minhas chegadas e partidas.
Ana Adelaide Peixoto Tavares é doutora em teoria da literatura, professora e escritora