Se não conhecesse o nome do bairro, pensaria em algum lugar distante, além-mar… ou mesmo em um engano. Mas já não é tempo de trotes telefônicos. A identificação visualizável de qualquer chamada os afugentou. Ademais, o tom de voz parecia sincero.
“São vocês que têm um apartamento para alugar na principal dos Bancários?” “Não, minha senhora, não é conosco”. “Mas, está aqui no Google”... Sucederam-se outras e outras ligações com o mesmo assunto. Definitivamente o meu número fora divulgado equivocadamente no mercado imobiliário. Houvesse sido pelo menos para anunciar projetos de arquitetura…
A ocorrência amiudou-se e tornou-se incômoda, às vezes inconveniente. O que fazer? O monsieur Google é inabordável, como certos doutos egocêntricos, e a ele se atribuía a fonte de informações que se direcionavam ao número de meu celular. Não havia outro dado que pudesse inspirar uma solução. Quando perguntava como conseguiram o contato, todos diziam ter visto um site de vendas e aluguel do tipo OLX, BTX, MGR… Sem mais referências telefônicas ou de endereço.
Já se percebia um certo mau humor na reação que eu esboçava ao atender, dada a assiduidade com que os telefonemas aconteciam. Mas era interessante notar a diversidade das reações. Umas compreensivas, outras deseducadas, algumas insistentes, pareciam não entender o equívoco, talvez com esperança de que eu pudesse ajudar.
Só me restava a paciência, segundo Carlos Romero, a virtude mais sábia. Lembrei-me também de uma frase do pai da boadrasta Alaurinda, Manoel Padilha: “Faço todo o possível para solucionar um problema que está a meu alcance. O que não posso resolver já está resolvido”.
A paciência não é apenas sábia, é mestra. Com sua ajuda, descortinou-se uma oportunidade de aprendizado e exercício de boas maneiras diante das ligações que não cessavam.
“Alô, gostaria de informações sobre uma casa para alugar em Carapibus. É com o senhor?”. “Não, minha senhora. Infelizmente o meu número foi informado equivocadamente neste site. Me perdoe. Ainda não tive como corrigir. Peço-lhe sinceras desculpas”. Com este tom, era surpreendente a notável harmonia estabelecida no diálogo, que se tornava ameno e grato na reação às minhas escusas: “Imagine! Eu quem lhe peço desculpas. Tenha um bom dia e obrigado pela atenção”.
A ideia seguinte, de identificar o nosso celular como “escritório de arquitetura” também foi boa. Algumas pessoas coincidentemente eram do setor imobiliário, corretores, e concluíam satisfeitas em saber disso para, quem sabe, um futuro projeto. E o limão virou uma limonada.
Comecei a caprichar na delicadeza das respostas. Sempre tolerante, pedindo desculpas pelo equívoco, mesmo num caso em que a vítima era eu, merecedor de indulgência. E percebia a satisfação mútua grata e gratuitamente obtida no exercício da solidariedade. Como é bom fazer o bem, que retorna infalível no brotar da boa semente.
Decidi não mais procurar pela origem do engano a fim de solicitar reparo da confusão. O erro passou de incômodo a prazeroso. Agora tenho me deliciado com tais ligações, sempre pronto à polidez de um tom de voz suave, pacífico, compreensivo, amigável. Tudo o que as pessoas andam precisando, sobretudo nesta época de receio e apreensão, vivenciados pela epidemia que insiste em fazer parte do presente e do futuro. Sabe Deus...
A experiência vem sendo, de alguma forma, didática, em via de mão dupla. Valendo-nos do clichê, ocasionalmente permitido pelo professor Chico Viana, concluímos: “gentileza gera gentileza”. Verdade comprovada apenas por quem a pratica, por quem aprende e consegue fazer do limão a limonada. Outro saboroso clichê!
Germano Romero é arquiteto
e bacharel em música