Leveza
Gostaria de ser leve, mas não sei.
Leve, sem fundas marcas
Nas coisas sentidas e tocadas.
Saber neutralizar o peso normal da vida
De lutar, o próprio peso de ser
Não mais que passante.
Pensar beira o desejo, não é decisão.
Como notas para um livro, um poema.
Um pouco de silêncio revelador.
Bem cedo era tarde e eu queria aposentar-me.
Exausta num desejo rouco de gritar
Quero bastar-me!
Ser leve e livre como ar
Que não afunda nunca
E ainda enche os vazios que encontra.
Habitante da ausência
Busco, sem cessar, teu rosto entre as estrelas
Mais belas e mais brilhantes
Porque amavas a luz.
E sinto que devolves, amoroso, meu olhar
De onde estás e talvez murmures qualquer coisa
Nessa língua nova, indecifrável ainda.
Às vezes, ser mãe é pular abismo
Sem encontrar um chão onde firmar os pés.
Andarilha, vagueando em ansiedade
Ser de sede e de espera... Eu sou
Habitante da ausência em degredo de saudade.
Sonhando abrir o céu, só para ver-te
Saber que vivo estás
E te abraçar, meu filho, e nunca mais
Ter medo de perder-te.
Ilusão
Estava lá, esboço e armação
Entre o muro e a vida
Que essas duas coisas não se reconciliam
Nunca mais.
Estava assim, mas lá no coração
Esperava que um milagre
Pudesse acontecer.
E como fosse uma noite de lua
Jogando beleza nos feios da rua
Acreditou que ainda pudesse viver.
Janelas do tempo
Nem tudo foi perfeito
Mas houve noites belas
E sonata de ilusão
À luz de velas.
No começo era assim
O teu olhar era de puro sol
E havia estrelas dentro de mim.
Em tua ausência
Como andorinha na solidão
Estou bem longe de fazer verão.
Milfa Valério é professora e poetisa