No seu estudo, constante na edição completa da poesia de Augusto dos Anjos preparada pela Editora José Olympio – utilizo para este comentário a 6ª edição de 2017 -, Gullar faz uma excelente análise e, ao meu entender, definitiva sobre o “EU”. Nada melhor para lembrar o autor de “Poema sujo”, senão fazer a releitura desse trabalho, ao tempo em que é possível penetrar nas margens escondidas da sincrética poesia de Augusto.
Depois de traçar os caminhos do poeta, filho da aristocracia decadente do final do século XIX construída na cana-de-açúcar, os elementos biográficos apresentados afastam qualquer dúvida sobre a abrangência cultural do paraibano que produziu composições que se perpetuarão enquanto existir leitores de poesia.
Gullar demonstra muito apreço pela obra de Augusto dos Anjos, esclarecendo dúvidas levantadas por críticos da arte poética que expõem balofas interpretações sobre os poemas do “EU”.
Gullar foi um poeta inquieto, sempre em busca de novos caminhos ou “espantos”, como costumava dizer, para explicar os arredores da alma. Talvez por isso sua admiração pelo poeta Augusto dos Anjos. Lembro-me de uma frase dele, de que “a literatura só terá sentido se mudar alguma coisa, nem que seja a minha própria vida”. Num recado sobre a qualidade da poesia, por mais banal que seja o tema, ele aconselhava “que ao escrever um poema, a preocupação principal deve ser com a qualidade literária”. Tem coisa mais besta do que este verso de Drummond – “Ponho-me a escrever teu nome/com letras de macarrão...” –, no entanto, todo o poema expõe a emoção da alma apaixonada. Isso por que tem atributo literário.
Na abordagem sobre o universo poético de Augusto, sentimos quanto Gullar se debruçou em esmiuçar sua obra para penetrar na alma deste poeta silencioso, para dele retirar aquilo que nos ajuda a compreender ainda mais sua poesia. Lembrava que poucos, realmente, com uma obra poética relativamente pequena, conseguiram criar no mais alto nível, um universo diferenciado e grandioso, como esse paraibano, a quem chama de “grandiloquente Augusto dos Anjos”.
Para ele, nosso poeta pagou alto preço por colocar em versos a indigência da morte e da vida nordestina, o fracasso do homem na busca do entendimento do transcendental, sendo, de certo modo, relegado pelos centros acadêmicos da urbe carioca e paulista, mas que foi tardiamente consagrado e admirado pela crítica, apesar de cedo reverenciado pelo povo.
Os dois poetas fizeram da poesia não uma exibição, mas a revelação da paisagem da alma como poucos e cada um ao seu modo. Praticaram uma poesia que nos levam a outras fronteiras do sentimento, ao gozo da paz ou da aflição na espera do entardecer da vida. A linguagem da poesia de ambos nos leva para além dos confins de nós mesmos.
Quando lembramos os noventa anos deste poeta do Maranhão, nascido José de Ribamar Ferreira, que amava a arte como expressão sublimar para explicar a vida, como homenagem, resta-nos agradecer pela contribuição ao entendimento da arte e pelo importante estudo sobre nosso poeta maior. Lendo seu estudo constante na edição do livro da Editora José Olympio, entendemos porque Augusto dos Anjos, muito antes de ser reconhecido pelos estudiosos da literatura, começou a ser admirado pelo povo iletrado. Isso se deu pelo fato de sua poesia toca no cerne do seu sentimento de cada pessoa.
José Nunes é poeta, escritor e membro do IHGP