Como era interessante a chegada daquelas pessoas que procuravam o "Foto Ventania"!!! Também conhecido pelo nome de vuco-vuco, eram pequenos estúdios fotográficos ambulantes, espalhados em várias praças da Capital paraibana. As pessoas chegavam timidamente e, de repente, eram abordadas pelos lambe-lambes que já lhes ofereciam, logo de cara, um pequeno tamborete para sentar e posar para a foto.
Durante o ritual do click, e enquanto o material estava em processo, o tempo se estendia, no olhar fixo sobre a bacia colocada no chão. Lá a foto ficava boiando, a fisionomia empalidecida, continuava afogada no líquido da bacia de alumínio, para depois ser retratada. Dentro dela, dolentemente, descansava sobre a água do mesmo líquido que ajudava simultaneamente a retirar o excesso da substância química do revelador. A bacia era uma simbólica placenta de metal gestando o seu rosto, antes de nascer para o mundo implacável da sua humilde identidade.
Sentados em praça pública, debaixo de uma sombra rala, levantavam-se e saíam com sorrisos 3x4 estampado no frontispício do rosto, meia dúzia de pequenas fotos no bolso e o andar, a medir por extenso, o tamanho daquele momento revelador e colossal!
De um detalhe curioso, nunca me esqueci: quando chegavam só com a “roupa do couro”, o encarregado daquele estúdio fotográfico ajeitava a situação, colocava paletó e gravata durante o trabalho da revelação no próprio papel. Fazia uma sobreposição do paletó e da gravata, padronizada para todos. Era uma colagem, um tipo assim de montagem que se fazia com uma habilidade ímpar, oculta, coisa confeccionada pela mão ágil no interior de sua rústica máquina de fotografar.
O fotógrafo do “Ventania”, geralmente, era uma pessoa calma, serena, e trabalhava intensamente. Quase sempre, com a mão metida na circunferência da entrada da caixa de madeira, ali ele manuseava todo o processo de formação da fotografia. Em pouco tempo, a vestimenta artificial do cliente, ficava pronta para encantar os olhos e colorir sua alegre expectativa vendo-se exposto e depois bem guardado no bolso da camisa.
Em sua maioria, falavam pouco, tinham mínima escolaridade - tanto o profissional, quanto o fotografado. O “cliente” sentado no pequeno tamborete que lhe foi cedido, não deixava de sentir-se previamente ampliado. E quando “via a sua pessoa” na foto, ainda meio embaçada, na malha da água, sentia a realização do seu pequeno sonho, tal qual um “pequeno nada” como diria Carlos Lacerda no seu “A Casa do Meu Avô”, aludindo aos momentos quando em tudo havia encanto, através de um mágico contentamento instantâneo.
Foi a mais interessante, a mais feliz revelação fotográfica que já tive oportunidade de persuadir. Vai longe o tempo!... Era na Praça Aristides Lobo (nome dado em homenagem ao ilustre jurista, político e jornalista paraibano/republicano, um abolicionista de excelência), ou na Praça 1817, cujo nome resgata a revolução de 1817, quando na Paraíba, repercutia o movimento que se iniciou no Estado vizinho de Pernambuco.
Mas o vazio de hoje, esse vazio das ruas vetustas da cidade sem o "Foto Ventania", leva-nos a retocar a vida, sem mais poder emoldurar as antigas paisagens, essas que só esse cenário distante, guarda fotograficamente nos cliques da lembrança.
Esses fotógrafos, involuntariamente, também prenunciaram os nossos futuros, naquela época. E por incrível que pareça, ajudaram um pouco a amarelar os nossos sonhos. Os assíduos costumes foram se desbotando, as fisionomias desaparecendo como que levadas – len ta men te - pela própria ventania do tempo.
A tecnologia, hoje, modernizou as imagens, as fez deslumbrantes, extasiantes, fantásticas, mas não conseguiu salvaguardar as retículas tão simples do papel em branco, nem os segredos que condecoravam os “pequenos nadas” da época em que se posava a céu aberto e livre se olhava um monte de passarinhos nas praças públicas sob um breve e simplório click de vuco-vuco!
- Olha o passarinho!!!...
Saulo Mendonça é escritor, poeta e haikaista