Mansas tocaias, mitos
cheiram a pólvora
no eterno dos proscritos.
Tiros noturnos,
sem urros nem alvos,
miram o tempo.
Freme o Forte
na alma a que se dá
a posição de sentido
é posição descansar.
O canhão deitado espia
o mar de suas sombras,
quedando, mítico, onde tomba
o gatilho e suas fúrias.
Um batalhão de estrelas
aponta para o cais,
desatracando âncoras
de tudo que ficou
para trás.
Dois camelos estáticos
de tanto guardar o mar
ganharam a antemanhã
e se perderam mundo a dentro.
Ficou a ternura
do olhar de bronze,
lambendo mansa,
os cantos dourados
da lua cheia, estendida.
Quatro falcões de bronze,
de susto, abriram as garras,
levantaram voo
e fugiram como uma bala.
De espanto,
foram ver a aurora nascer
que para ali
“para lá... para lá...”
só voltavam
com um meia-volta-volver.
Alardo posto ao sargaço lento
olhos se amarram
em algum mastro que não vem.
Esperam embebidos,
envolvidos de ausências,
os desembarques que não têm.
Uma voz de comando
vai o eco encarcerando
pelos corredores da porta falsa
definitivamente recolhido
num lugar onde à noitinha
tudo prende.
Repousam suas pontarias
atiradas algures
em piratas de festim.
Prosternados
os invasores
não investem mais
contra a guarda do Forte.
Os pescadores
de territórios alheios
absortos
respeitam o morto.
Já se pode subir sem ordens
e pôr os pés na boca do canhão,
mirar a escuridão, invadir
e dormir de porta aberta
sem que o toque de alerta
desperte o sono e a paz.
Sentar já se pode
em cavalos de capim
pelas retinas galopar,
olhar o mundo
numa reta e se levar.
Estampidos não há.
Pela ordem,
a ordem é não atirar,
não acionar projéteis
que o projeto é resguardar.
Entre muitos tiros,
há um silêncio forte,
quase de retiro,
no silêncio do Forte.
O passado dorme
nos ombros de um canhão,
pedindo pra ficar como está
de bandeira branca na mão.
Remanso
o reaver do vento
é descanso que navega
pela costa do silêncio!
O olhar de ferrenho
do canhão deitado
derrama-se pacífico
nas escamas do mar.
Enferruja a noite
com o seu olhar de mira.
Implode todas as iras
e o tempo sem antemão
brinca de solidão
e detona uma marcha fúnebre.
Visitas permanentes
de algum vento luso
batem-lhe devagar
nas sapatas de seu corpo.
Beijos assobiados
tocam-lhe as frinchas
de suas bocas de calcário.
O sussurro noturno
do mar antigo
transfunde-se em luz.
O vaga-lume
já é fulgor
em noites sem aproches
atalaias e luar.
Pássaros livres
comem restos de tempo
trazidos nos arremessos
que o vento faz.
À noite, aninham-se
e dormem nas frestas
de suas cicatrizes.
Dorme o Forte
seu sono eterno
na memória barulhenta
e na paz silenciosa
dos seus noturnos
morcegos dependurados.
Saulo Mendonça é escritor, poeta e haikaista