Se tivesse nascido na Grécia, poderia ter sido o precursor do teatro grego. Certamente, o protagonista das homenagens ao deus Dionísio, nas mirabolantes tragédias e comédias que marcaram os lucilantes canhões a gás dos palcos da grande época. Em Roma, teriam visto ao lado de Plauto e Terêncio e, noutras plagas, fazendo odes ao Shakespeare ou Molière, tudo dentro das magias teatrais, dos malabarismos que sempre marcaram o papel no design de sua apaixonante arte cênica.

Aos treze anos de idade, Ednaldo do Egypto já era um personagem da história da Paraíba. O primeiro encontro com a arte de representar fez a ligação inicial com as forças de suas habilidades artísticas. Há nove anos, sua cortina se fechou, o pano caiu e transformou-o num saudoso personagem das odisseias deste planeta. Já se somavam mais de sessenta peças apresentadas e aplaudidas pelas mãos de quem lhe havia consagrado um patrimônio, definitivamente, no cenário cultural da Paraíba. Enfim, um bravo samurai que se predestinou a cuidar da arte teatral paraibana e lutar por ela.
Para mim, foi uma honra ter sido seu amigo. Não somente isto, ter acompanhado de perto seu trajeto sobre o qual nunca andava sem grandes ímpetos. O teatro foi o seu vício, a sua cachaça, o seu ópio. Narcotizado com tudo que se referia a essa arte, ganhava o mundo como se estivesse recebendo o maior presente da vida, por existir. Gostava também de preservar sua história, o cultivo do “theatro”, assim como faz o bom jardineiro que planta, e, sobretudo, ama tudo aquilo que planta.
Quando não falava em teatro, retirava sempre de sua mochila de memórias umas tiradas de humor, com o gosto e a agilidade de sua interpretação e sob os lustres dos refletores de sua instigante luz própria. Fazia rir, e como diria Milan Kundera, “rir profundamente”, escancaradamente, mesmo que algo gerasse por dentro uma certa saudade travosa, a ausência de algum amigo que já havia se retirado de cena definitivamente.

No teatro, destacaram-se: “Vovô viu a uva” e “No tempo da Chrestomathia”, esta última com texto e montagem dele, enfocando o épico, transbordado de memorialismo. Com base nos tantos ocorridos da Segunda Guerra Mundial, a peça insurgiu como um ato de teimosia pela qualidade viva da pesquisa, mostrando fatos trazidos da década de 1940 e colocados diante dos olhos atentos de um público extasiado. Conseguiu levantar a saga de um mundo trágico: o fuzil encostado do lado do coração e, no outro lado, a boemia noturna se derramando pela cidade, num ressoar de vívidas lembranças, gozos e ironias dentro das amarguras vermelhas despejadas dentro do conflito bélico.

O teatro Ednaldo do Egypto, construído por sua indômita vontade, ficou encenando seu próprio universo de atos e fatos: o teatro que conduzia do lado esquerdo do peito; o teatro que adormecia e acordava nos camarins indisfarçáveis de seu pensamento; o teatro que abria as cortinas e armazenava peça por peça dos seus atos de amor à arte. Ficou como sua marca, seu carimbo, seu estigma.
Ainda bem que os redemoinhos exterminadores do tempo não conseguiram empurrar e fechar as suas portas, e o Teatro Ednaldo do Egypto permanece de pé, na marcação da Avenida Maria Rosa, em Manaíra. É lá onde se resume toda a glória de Ednaldo. E, como se fosse de Roma, expondo o espetáculo da pantomima, representando todos os papéis no coliseu de seu grande e mais significativo sonho.
Saulo Mendonça é escritor, poeta e haikaista