Eugène Rougon é um advogado de província, nascido em Plassans, sul da França, que busca Paris como uma maneira de melhorar a vida. Advogado medíocre, mas com um pendor todo especial para a política, logo ele percebe as reais intenções de Charles-Louis Bonaparte, eleito democraticamente presidente, na instauração da Segunda República Francesa, em 1848. Tornando-se seu acólito, Eugène apoia e ajuda a urdir o golpe de Estado de 1851, que tornaria o presidente Louis Bonaparte, no ano seguinte, o imperador Napoleão III. Feito ministro, ele se torna sua Excelência Eugène Rougon, presidente do Conselho de Estado, segunda pessoa do imperador.
Ao cabo de cinco anos, as intrigas e ciumeiras revelam que há mais tubarões no mar palaciano do que Eugène Rougon esperava e que ele já não tem a plena confiança do imperador. Isto o torna demissionário. Apresentada a demissão, Eugène tranca-se em seu gabinete e prepara a sua retirada da vida pública, rasgando e queimando papéis, ordenando outros, fazendo a faxina, com o cuidado em quem vem substituí-lo, afinal de contas, como diz Delestang, um dos personagens presentes nesse instante, “o que faz a tristeza de uns faz a alegria dos outros” (Ce qui fait la tristesse des uns fait la joie des autres).
Tendo a notícia corrido como rastilho de pólvora, o ex-presidente vê, à sua revelia, o seu gabinete encher-se de pessoas que a ele tinham se acostado e que dele dependiam, durante o período de seu prestígio. Todos com as inquietações próprias de quem perdera o capital político e, mais ainda, o capital venal, que entrava suavemente em seus bolsos. A desolação toma conta dos circunstantes. A demissão de Rougon atingia os interesses dos apaniguados em tantos escalões subalternos, quantos são os círculos do inferno. Lasciate ogne speranza... O ar de consternação é visível, mas a única pessoa que é capaz de traduzir, com todas as letras, a situação em que todos se encontram é Madame Correur, mãe da bela Clorinde, e umas das mais fervorosas acólitas de Eugène Rougon, com ares de eminência parda:
– Il faut que vous soyez tout, pour que nous soyons quelque chose...
– É preciso que você seja tudo, para que nós sejamos alguma coisa...
Esta frase do Capítulo II do romance Son Excellence Eugène Rougon (1876), de Émile Zola, devidamente circunstanciada, é suficiente para que entendamos as brigas e as defesas incondicionais que alguns fazem de certos políticos. Os sequazes e acólitos não eram nada, não são nada e nunca serão nada, mal parafraseando Fernando Pessoa, sem os seus ídolos que os sustentam com ilusões de prestígio e, o mais das vezes, com dinheiro público. Incapazes de viver por conta própria, vivem atrás das migalhas que caem das mesas dos que brigam avidamente pelo poder. Como proceder depois que a sua segurança se esfumou diante da efemeridade do prestígio político? Seguir o conselho que lhes dá o próprio Rougon:
– Faites les morts, mes bons amis; tâchez que les choses restent en l’état, et attendez que nous soyons les maîtres...
– Façam-se de mortos, meus bons amigos; ocupem-se de que as coisas permaneçam como estão e esperem que nós sejamos os senhores...
Ou aliem-se aos novos senhores, afinal de contas o que interessa mesmo é a ilusão de que as migalhas do bolo são o bolo, não importando quem seja a Sua Excelência de plantão.
Na França de 1856, como no Brasil de 2020.
Milton Marques Júnior é doutor em letras, professor, escritor e membro da APL