No Brasil costuma-se confundir governo com Estado. Isto mostra o quanto somos subdesenvolvidos, em todos os sentidos, o quanto ainda misturamos o público com o privado, o quanto somos, sob muitos aspectos, uma republiqueta de bananas, na pior acepção das palavras.
Regra geral, com raras exceções, nossos governantes, em todos os níveis, acreditam que o Estado lhes pertence, que a máquina pública está ao seu serviço pessoal e não ao do povo, titular constitucional do Poder republicano, que os funcionários são servidores do governo, que é transitório, e não do ente estatal, que é permanente. E assim por diante, numa indevida e lamentável apropriação pessoal e partidária daquilo que é de todos, da Nação, enfim.
Na Paraíba, o jornal A União, pertencente ao Estado, sempre foi visto historicamente como “o jornal do governo”, qualquer governo, o que sempre o tornou, aos olhos de muitos, um jornal parcial, em que a objetividade jornalística podia a qualquer momento ser facilmente sacrificada no altar dos interesses políticos do governante de plantão. Isto é um fato. E contra fatos, diz-se, não há argumentos.
Não pretendo aqui analisar a postura de A União ao longo de sua já longa história. Por falta de competência e de espaço. Os arquivos do jornal falam por si e estão à disposição dos estudiosos e dos historiadores. Não será difícil, creio, verificar-se o grau de isenção do nosso antigo jornal, se é que existe isenção jornalística, aqui e em qualquer lugar. O que quero, tão somente, é registrar as recentes matérias do nosso jornal oficial sobre o aniversário das mortes de João Dantas e de João Suassuna, ícones do perrepismo paraibano derrotado em 1930.
Não sei se o jornal já tinha publicado anteriormente matérias semelhantes. Se sim, reconheço então que estou chegando atrasado ao assunto e peço perdão. Mas não importa, no que me toca, pois somente agora vi as referidas matérias, somente agora me surpreendi com elas, razão porque somente agora posso me manifestar a respeito.
Ninguém desconhece que nos idos de 1930 A União era não apenas “o jornal do governo” mas também – e principalmente – “o jornal do Presidente João Pessoa”, líder político que dele se servia como porta-voz, para todos os fins, como tantos outros anteriormente. Era o costume da época, reconheça-se, costume que sobrevive, em alguma medida, até os nossos dias, reconheçamos também. Sendo assim, não se pode desconhecer que, desde a morte de João Pessoa, e talvez mesmo por conta dos radicalismos decorrentes dessa morte brutal, o perrepismo nunca encontrou portas abertas no nosso jornal oficial.
Pelo contrário. A União, sabe-se, sempre tem sido, a partir de 1930, uma tribuna de que os “liberais” têm se servido, praticamente com exclusividade, para afirmar e reafirmar sua vitória. O que também não se pretende discutir aqui, já que sabemos todos que, se os vitoriosos de 30 fossem outros, o cenário não seria muito diferente. Mas isto não vem ao caso agora. Importa-me apenas as duas matérias sobre dois dos três Joões da Paraíba, uma sobre João Dantas e a outra sobre João Suassuna. Para mim, um senhor acontecimento.
O fato, como disse, é que me surpreenderam as citadas matérias sobre os dois ilustres mortos perrepistas num jornal que tem sido associado historicamente aos “liberais” de 1930. Uma boa surpresa, devo dizer. Pois para mim isto significa que A União alcançou, enfim, depois de 90 anos, a imparcialidade possível – e desejada – sobre acontecimentos e personagens que tanto marcaram a nossa história.
É um grande progresso, penso eu. Um imenso passo no sentido da independência do jornal perante os governantes eventuais, independência sempre precária, reconheço, mas que, por mínima que seja, já representa muito para o centenário veículo.
Posso estar enganado, tomara Deus que não, mas quero parabenizar todos os que fazem A União por esse verdadeiro feito jornalístico, que é do superior interesse da coletividade paraibana, acima, portanto, das sobreviventes paixões de 1930, as quais, perto que estão do centenário, parecem aproximar-se, finalmente, de um grau mínimo de civilizada convivência.
Em tempo: não sou perrepista nem liberal, muito pelo contrário, como diria o Barão do Rio Branco. Como cidadão, é claro, tenho algumas opiniões sobre 1930, 1889, 1964 e 2018, por exemplo. Mas nada, parece-me, com que valha a pena aborrecer o leitor.
Francisco Gil Messias é cronista e ex-procurador-geral da UFPB