Foi no século passado. Meu pai se vestindo para sair ao trabalho na loja de tecidos. Naquele tempo, anos cinquenta, os vendedores de balcão no comércio ainda raso da Rua Beaurepaire Rohan e adjacências se punham em traje formal. Era costume adotado. Demorava-se no quarto, engalanava-se para a freguesia razoável. Os shoppings não existiam e o passeio pela área comercial era preferido por muitos que iam gastar a tarde naquelas ruas pacatas, sem riscos maiores de assaltos, mesmo os de pequena monta.

Com a voz picotando, contou o sucedido. Elas, tomadas de espanto, correram para o interior da casa. Os guarda-roupas, cômodas, penteadeiras reviradas, as camas apinhadas de roupas e lençóis desarrumados. Um pandemônio. Elas não sabiam o que fazer: tontas, sem norte, indo de um lado para outro. Era um tempo em que se dormia de janelas escancaradas e se podia conversar até noite alta nas calçadas.
Minha tia se lembrou de abrir uma gaveta “secreta”, onde eram guardados objetos de maior valor. Ao puxá-la, estava desnuda. As joias de herança, os trancelins, as medalhas, os pingentes, até um relógio de algibeira, todos de ouro de lei, verdadeiras relíquias afetivas haviam sido levadas pelo invasor. Foi um choramingo e gritos de revolta.
Para piorar a situação, perceberam que o ladrão matinal deixara um bilhetinho no fundo da gaveta: “Quem gosta, torna”!
José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista