Nunca pensei muito nele. Muito menos em fazer planos a distância. O tempo sempre me pareceu tão longe, mas tão longe, que minha imaginação não alcançava. Vivi sempre o dia a dia. No máximo enxergando o fim de semana próximo, o Natal próximo, meu próximo aniversário.
Quando criança, o futuro era longe por demais. O tempo se fazia entre as aulas, as férias, os feriados, os dias santos, os domingos. Sim, o sábado. O sábado era importante. Um dia marcante na minha vida. Primeiro por problemas familiares. Depois, o dia de namorar. O dia de "festar". O dia de beber. O dia de amar. Porque hoje é sábado, já dizia o poeta.
Já moça, o futuro era o final de semana. O assustado, que ainda não era de Ruth Avelino. Os Jogos da Primavera. A festa de alguém. João Pessoa era província, então o futuro era o Cinema de Arte na quinta feira. A Lagoa no domingo. E por aí se ia...o veraneio em Formosa, no Poço. As chuvas do meio de ano. O sol escaldante do final de ano.
Mulher feita, meu futuro era o trabalho, as frustrações de não saber o que queria, o conciliar do sustento de cada dia. As relações amorosas. Os filhos, e de novo, férias, escola, tarefas. Como pagar as contas. A inflação. Os juros. Como poupar para fazer aquela reforma básica na casa. Como ir ao Rio de Janeiro passear em Copacabana? E aquele vestido novo que vi numa loja? Como sonhar em viajar? Mas nunca fui um ser terrestre. Sempre etérea e com a cabeça na lua. Aquariana da gema, o meu cotidiano maior sempre foi pelas terras do sonho. Daí não conhecia as planilhas, o guardar, o antever. A procrastinação era minha palavra. Amanhã eu faço. Amanhã eu vejo. E de amanhã em amanhã eu fui. Vivi . Vivo! A vida, me conduz. Egoísta? Talvez. Mas sempre admirei quem sabia intervir no mundo. Trabalhar para dar dignidade às pessoas. Crescer. A minha mudança era interna. A minha cabeça é que girava. Tudo tão pequeno.
Tão insignificante... mas também sabia que, nem todos tem esse talento da intervenção. Sou doméstica. O dentro é que é o meu lugar. O fora? O banho de mar... hoje mais. A imensidão do mar adentro.
Nunca consegui investir, juntar dinheiro. Não tinha para isso. O salário que ganhava era pro sustento, o pão na mesa, as contas, o dia a dia. E claro, um par de brincos toda vez que via um artesão com uma barraca no meio do caminho. Comprar livros? uma atividade tardia. Já a música, se aninhou primeiro e mais. Lps, CDs e afins.
Hoje, uma senhora, fico ouvindo e vendo os amigos/as falando nos investimentos, em como acumular, em como se organizar para o futuro. Cuidaram-se Tiveram seus medos do futuro. Normal. Previsível. Fico me achando perdulária. Mas aí ouvi um amigo dizer – nunca trabalhei, fui um irresponsável, nunca pensei no futuro, e fiquei a pensar na minha trajetória frente ao tempo. O tempo de plantar e de colher. Ainda hoje não planto nada. Nem consigo ter esse planejamento de futuro. Sigo pagando as contas. E dormindo bem no travesseiro. As dívidas eram sempre para viajar ou reformar a cozinha para um pouco de conforto doméstico. Fico observando que nunca precisei de muito, e me contentava com coqueiro, praia e cerveja gelada com amigos. Sim, viajar? Como não sonhar? E mesmo sem planos, sem dinheiro e sem maiores estruturas, isso fez parte das minhas agendas e cadernetinhas. Viajar, viajar, e viajar. E sempre pulando no abismo. Com mochila, pouca prata, pouco mapa. E ia...como a música de Chico Buarque – Nina – “bebo alguma vodka e vou....”
Agora em que vivemos tempos sombrios, e que não confio em nenhuma mudança política pelo que vejo e acompanho, começo a ficar temerosa com o futuro do país. Os direitos trabalhistas ameaçados, nossas garantias, mesmo que parcas, não são mais nossos esteios, as reformas por virem, os abutres...E fico a pensar na vida na aposentadoria pouca, e na qualidade de vida que nem conseguia vislumbrar na juventude mas que, agora, com os anos e minhas horas de alegria de viver, chega com inseguranças e interrogações. Ah! O meu temperamento contemplativo e sonhador!
Um dia por vez, o dia de hoje, continuam sendo meus lemas, meu dia, e meu viver. Agora com mais tempo, esse luxo conquistado, continuo sem enxergar o futuro, embora ele assobie toda hora aos meus ouvidos. Avisto a primavera que se anuncia, o verão com o sol incandescente e os coqueiros arrepiados, e meus desejos, dos simples e prosaicos aos mais audaciosos, como perambular pelo mundo (ainda!), e tomara ter saúde e esses mapas imaginários e tabelas que não faço, para tomar uma vodka, e, como Nina, ir!
Ana Adelaide Peixoto Tavares é doutora em teoria da literatura, professora e escritora