Partimos cedo de Cesenático e passamos o dia viajando: Vani dirigindo um carro e Karlisson o outro. Uma breve parada em Florença por puro masoquismo, pois é maldade permanecer só algumas horas na bela cidade.
Já era noite avançada quando entramos em Roma. Chamou logo a atenção o entrançado de lambretas bagunçando o trânsito.
A primeira noite em Roma foi inesquecível. Vivemos momentos de muita apreensão, que terminaram de forma inusitada. E engraçada.
Guiados por Vani, nos dirigimos à Via Cavour, onde ficava o hotel que reservamos previamente. Chamar aquilo de hotel é força de expressão. A Via Cavour é muito antiga e tem uma longa seqüência de palazzi, que são palacetes antigos, tendo em média quatro andares, com uma hospedagem autônoma em cada andar.
O “nosso hotel” nos deixou arrepiados, tão desagradável era o seu aspecto, cheio de bichos e baratas. As meninas se recusaram a dormir num pardieiro daqueles e nós endossamos. Assim, fomos procurar vagas num local mais saudável.
Encontramos algo de melhor aspecto no terceiro andar de um palazzo, que nos guardava algumas surpresas.
Quando entramos, havia uma moça sentada no birô da recepção. A cabeça curvada para frente, camisa Lacoste azul claro, exibindo uma bonita e farta cabeleira, negra como as asas da graúna, que lhe cobria quase totalmente o rosto.
Escrevendo estava e não se deu ao trabalho de erguer a cabeça para nos responder que “sim, havia vagas para três casais.”
Achando um pouco desatenciosa aquela atitude, perguntei-lhe: “Senhora, qual o seu nome?"
Então ergueu o rosto, afastou os cabelos, e respondeu candidamente: "Meu nome é Massimo”. Quase caímos para trás, surpresos! Porém, não ficou por aí. A noite ainda prometia.
Pedimos para ver as condições dos quartos. Gentil, muito educado, Massimo nos guiou pelas acomodações disponíveis. O primeiro apartamento era muito bom. Socorro e Karlisson rapidamente se instalaram nele. Continuamos a visita.
No segundo quarto, Massimo abriu a porta e ficamos escandalizados: na cama havia um casal, que não estava muito quieto. O recepcionista não perdeu a fleuma. Fechou a porta delicadamente e disse, com toda a tranquilidade: "Acontece!"
Ao longo dos três dias de estada no hotel, Massimo revelou-se muito agradável, paciente (mesmo sendo italiano), prestando as informações de que precisávamos. E era especialista em risotos!
Na manhã seguinte, fomos até a padaria na esquina tomar o café da manhã com deliciosos panini, os sanduíches italianos, acompanhados de croissant e chocolate quente, sem esquecer o inevitável espresso, símbolo maior dos lanches rápidos na Itália.
No trajeto, quase caí de costa com a visão magnífica: em nossa frente, imenso, altivo, erguia-se nada mais nada menos do que... o COLISEU!
À nossa direita havia uma longa seqüência de respeitáveis ruínas, pois estávamos hospedados praticamente no coração da antiga Roma!
Passeamos nas trilhas do Fórum Romano, onde vimos a Coluna de Trajano, dos nossos livros de história. Em seguida, fomos ver de perto o Coliseu.
Uma das sensações mais estranhas que já tive foi quando chegamos ao alto da escadaria e descortinamos a imensa arena. Nem na Basílica de São Pedro eu sentiria o que senti. Ilma também teve a mesma sensação.
As dimensões e as estruturas do monumento são impressionantes. Nele, há um número incontável de arquibancadas, entrecortadas por acessos. A arena é conservada de modo a mostrar-se como era no passado. Tudo muito bem protegido e repleto de turistas.
De lá fomos conhecer o Vaticano, que fica do outro lado do rio Tibre. Ao entrar na Basílica de São Pedro veio a primeira emoção: logo à direita, a visão da Pietá, estátua cuja réplica me foi presenteada pelo Padre Juarez Benício Xavier, nosso grande amigo, já falecido, e que deve estar lá no céu, sentado à esquerda de Deus Pai.
Os trabalhos feitos em granito vermelho e preto, nas esculturas e nas colunas retorcidas, causam grande impressão. Não perdi a oportunidade de descer até as catacumbas, onde repousam os restos de quase todos os Papas.
Apaixonado por pintura, cultivava eu o sonho de conhecer os afrescos de Miguelângelo. O desejo me perseguia desde a adolescência. Assim, veio a vontade de visitar a Capela Sistina. A visita não me deixou boas lembranças e vocês, leitores, hão de entender o motivo.
Para chegar ao Palácio do Vaticano, tivemos que fazer uma longa caminhada em torno da Praça de São Pedro, que tem tem a formação de um círculo.
Subimos por uma rampa em espiral, tão exaustiva que dava a impressão de levar direto ao Paraíso, com todos os pecados perdoados, tal o estado físico em que eu me encontrava.
No último andar do palácio fica o museu do Vaticano. Para chegar à Capela Sistina tivemos que percorrer todo o museu. Presenciamos o estado lamentável de conservação de suas vitrines: poeira, teias de aranha, ausência de informantes e de informações.
O interior da capela estava lotado. Centenas de pessoas assestando suas câmeras para todos os lados. Todo mundo em pé e circulando.
Exausto, eu só queria saber de me sentar para poder olhar o teto e ver o dedo de Deus encontrando o de Adão, numa cena que lembra o filme ET, de Spielberg. Eu não queria outra coisa senão descansar. Assim, sentei-me numa elevação que existe ao longo da parede direita.
Para que fui fazer aquilo?! Ouvi um grito mal-humorado e uma segurança aproximou-se de mim, portando um cassetete com o qual me ameaçava. “Circulando! Circulando!”, parecia gritar. Pensei em resistir. Porém Ilma, em sua sabedoria, me puxou para o outro lado da capela e logo saímos, seguindo o fluxo de turistas.
Essa foi a minha inesquecível e lamentável visita à Capela Sistina. Espero um dia voltar e subir de elevador.
Na segunda noite em Roma, um sábado, saímos ao léu, procurando nos perder pelas ruas da cidade. Sei que muitos pensam como eu que essa é a melhor forma de se conhecer um lugar interessante.
Embora fosse início de outono, a noite estava apenas fresca, deliciosa e convidativa para caminhar. Muita animação, pessoas pelas ruas e calçadas.
Andando ao longo da Via dei Fori Imperiale, em direção à Praça Veneza, avistamos uma revoada de corujas brancas, saindo lá do alto do Monumento aos Heróis da Pátria, o Vittorio Emanuele, também conhecido por Bolo de Noiva. Que espetáculo magnífico!
Caminhando mais, nos esgueiramos por ruelas ao longo dos quarteirões do centro histórico, quando ouvimos música no ar. Seguindo a canção (acho vagamente que eram notas finais da ópera Carmen, de Bizet), chegamos a uma praça onde uma orquestra sinfônica tocava ao ar livre. Muitas pessoas assistindo, algumas sentadas, outras não.
Lá, ouvimos o “O Barbeiro de Servilha”, de Rossini, “La Donna è Mobile” de Verdi e “Torna a Surriento” de Claudio Sevilla. Continuamos pela cidade, noite adentro e logo fomos novamente atraídos por outra música tocada em instrumento de cordas, o qual não conseguimos identificar logo.
Chegamos, então, a outra praça, cercada de restaurantes, todos com mesas e cadeiras estendidas ao ar livre.
Sentamos em uma das mesas, diante do qual um músico de rua tocava, em pé, uma espécie de cítara. A música executada foi o que mais nos atraiu: Zorba! Ali ficamos por mais algum tempo, apreciando a música e o delicioso raviolli, regado a vinho caseiro. No dia seguinte tomamos o trem para o aeroporto Leonardo Da Vinci, na cidade costeira de Fiumicino. Iniciávamos o nosso retorno à pátria.
Embora muito saudosos do Brasil, especialmente dos filhos, nossos últimos instantes serviram para que já começássemos a encher a nossa “bolsa” de nostalgias: na sala de embarque um grupo começou a cantar baixinho "Arrivederci, Roma", com a suavidade de um Mantovani.
Ah, Itália... Arrivederci!