Deve estar pisando nos 90 anos. Em 1945/46, aluno do Pio XI do padre escritor Odilon Pedrosa, eu me via sem cancha para entrar no time em qu...

Lá vem Balduíno

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Deve estar pisando nos 90 anos. Em 1945/46, aluno do Pio XI do padre escritor Odilon Pedrosa, eu me via sem cancha para entrar no time em que ele e Cabralzinho jogavam por todo o resto. Balduíno de Taperoá, mas na rua de Campina, com João Loureiro, mandando nos frangotes do seu tope. Olhavam por cima no jogo ou em qualquer outra encrenca. João Loureiro do G.A.D., Balduíno do colégio do padre.

Aqui já chegado, volto a encontrar os dois em aparições isoladas. Rapazes emancipados, Loureiro emigrando para estudar medicina no Rio e Balduíno Lélis se estabelecendo em tudo, um livro na mão e as duas se juntando no fabrico de um xarope para tosse, o Bromocalipto. O pai de Balduíno, com farmácia em Campina, deve ter passado alguma experiência ao filho audaz. Audaz até para usar armas, fossem de fogo ou de defesa como o jiu-jitsu. Sitônio diz que é bom de pontaria; queria vê-lo disputando com seu parente.

Pois bem, baixei a cabeça no jornal, no fazimento deles e no meu próprio, e perdi Balduino de vista. Vim dar com ele, anos depois, já sob a influência abusada e provecta do velho Leon Clerot, no trato com museus, malares de índios, pedras arcanas e alguma intimidade com leituras de arqueologia, antropologia e ciências geológicas. Chamou a atenção de João Agripino no governo para a preservação do nosso patrimônio monumental, a começar pela Igreja de São Francisco. Depois, Dorgival entrega-lhe o Parque Arruda Câmara, a partir de quando os macacos deixaram a jaula para pular com liberdade, sem passar dos limites. Balduíno descobrira que macaco não sabe nadar e deu-lhes as árvores galhudas no centro de um lago cheio. De marceneiro a antropólogo, foi e continua sendo o que bem quis, inclusive filósofo, meu dileto companheiro de farda caqui de listras azuis do ginásio e para toda a vida.

Com o tempo, o pegador de onça tornou-se sacerdote da natureza, prevendo, num encontro mais próximo que tivemos, a purgação catastrófica dos nossos pecados realmente mortais contra o ambiente ou a higiene da vida em todos os reinos. Do fundo da terra e da compressão dos ares haveria de sangrar a larva invisível e mortífera dos nossos exageros poluidores. Nada vem por acaso nem de graça.

Retirou-se, virou monge a sonhar na prática com uma Universidade em Taperoá. E o que é de espantar: toda uma vida sem dinheiro certo, sem emprego efetivo, sem direito adquirido, sem aposentadoria oficial. E sem queixa, sequer alusão a essa inadvertência, para ele, sem a menor importância.

Está vindo agora do seu reino, tirando as vistas do Pico de Taperoá para uma cirurgia delicada no Laureano. Com uma vantagem, afinal: não está recebendo apenas os cuidados da família, da filha Alice, dádiva merecida. Une-se a ela e a ele, solidários, a solicitude de Carneiro Arnaud, presidente da Fundação Laureano, convocado por Ângela Bezerra de Castro, e o cerco de seus amigos e torcedores da Academia e do IHGP, lugares de onde não se pode esperar outra coisa.


Gonzaga Rodrigues é escritor e membro da APL

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