Aqui já chegado, volto a encontrar os dois em aparições isoladas. Rapazes emancipados, Loureiro emigrando para estudar medicina no Rio e Balduíno Lélis se estabelecendo em tudo, um livro na mão e as duas se juntando no fabrico de um xarope para tosse, o Bromocalipto. O pai de Balduíno, com farmácia em Campina, deve ter passado alguma experiência ao filho audaz. Audaz até para usar armas, fossem de fogo ou de defesa como o jiu-jitsu. Sitônio diz que é bom de pontaria; queria vê-lo disputando com seu parente.
Pois bem, baixei a cabeça no jornal, no fazimento deles e no meu próprio, e perdi Balduino de vista. Vim dar com ele, anos depois, já sob a influência abusada e provecta do velho Leon Clerot, no trato com museus, malares de índios, pedras arcanas e alguma intimidade com leituras de arqueologia, antropologia e ciências geológicas. Chamou a atenção de João Agripino no governo para a preservação do nosso patrimônio monumental, a começar pela Igreja de São Francisco. Depois, Dorgival entrega-lhe o Parque Arruda Câmara, a partir de quando os macacos deixaram a jaula para pular com liberdade, sem passar dos limites. Balduíno descobrira que macaco não sabe nadar e deu-lhes as árvores galhudas no centro de um lago cheio. De marceneiro a antropólogo, foi e continua sendo o que bem quis, inclusive filósofo, meu dileto companheiro de farda caqui de listras azuis do ginásio e para toda a vida.
Com o tempo, o pegador de onça tornou-se sacerdote da natureza, prevendo, num encontro mais próximo que tivemos, a purgação catastrófica dos nossos pecados realmente mortais contra o ambiente ou a higiene da vida em todos os reinos. Do fundo da terra e da compressão dos ares haveria de sangrar a larva invisível e mortífera dos nossos exageros poluidores. Nada vem por acaso nem de graça.
Retirou-se, virou monge a sonhar na prática com uma Universidade em Taperoá. E o que é de espantar: toda uma vida sem dinheiro certo, sem emprego efetivo, sem direito adquirido, sem aposentadoria oficial. E sem queixa, sequer alusão a essa inadvertência, para ele, sem a menor importância.
Está vindo agora do seu reino, tirando as vistas do Pico de Taperoá para uma cirurgia delicada no Laureano. Com uma vantagem, afinal: não está recebendo apenas os cuidados da família, da filha Alice, dádiva merecida. Une-se a ela e a ele, solidários, a solicitude de Carneiro Arnaud, presidente da Fundação Laureano, convocado por Ângela Bezerra de Castro, e o cerco de seus amigos e torcedores da Academia e do IHGP, lugares de onde não se pode esperar outra coisa.
Gonzaga Rodrigues é escritor e membro da APL