Cecília
Por mim
passam tantas vozes
tantos silêncios
tantas canções
e essa menina que há
em cada coração de leão.
Por mim
passam noite e dia
passam recuo e ousadia
passam por mim passam
de enlaçadas mãos
o breve gozo, a lenta agonia.
Mas nesse tudo passar
também passo eu por mim
e ao fim de cada passagem
passo a ser mais só, mais mim,
retendo apenas ao fim
imagens imagens imagens.
No abril de meus dez anos,
minha rua foi devastada
por um horizonte marítimo.
Era Mariana.
A errar, o cosmos começava,
e eu, da gravidade, me soltava.
Até então, meu coração
era um beco sem saída;
agora, a vida se rompia:
irrompia o outro
– vertigem e voragem.
No início da Noite de Natal,
sem avisar,
Mariana abandonou-me a cidade,
despediu-me a infância.
Toda vez que ouço o “Noite-feliz”,
acena-me oblíquo Noel,
e desembrulho por dentro
o pretérito presente...
Performance
Escolheu seu melhor ângulo.
Com pudicícia,
Evitou os parcos versos seus.
Disse Bandeira, Cecília, Drummond
– estrelas da vida inteira e sua Pasárgada.
Pronunciou os melhores silêncios.
Conseguiu. Seduziu.
Uma mulher, uma noite.
Acordou.
Sóbrio, inútil, verdadeiro.
Ressaca de tanta traição a si mesmo.
Certeza de que nenhuma Estela
Seria a Estrela da vida inteira.
Antonio Morais Carvalho é professor e poeta