A frase é meio batida, surrada até, mas foi a que me ocorreu quando da leitura do livro “Harpia”, de Aline Cardoso: “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”. Seja ou não da autoria de Che Guevara, a mim apenas importa que poderia servir de epígrafe para o livro, uma vez que encerra, condensa, a atmosfera da maioria dos poemas que o compõem. Poemas fortes, incisivos, diria quase aforismáticos, e que aprofundam o conflito entre a “vida vivida e a vida pensada”, pois já não disse Oscar Wilde que, “Para a maioria de nós, a vida real é a vida que não vivemos?”

Aline Cardoso anda e abre o seu próprio caminho não só quando cumpre um percurso ascensional no que se refere à sua poesia, como também no enfrentamento dos temas sobre os quais articula um discurso cuja contundência não desfaz de todo os laços de ternura que mantém com o mundo.
Conforme é sabido, a harpia é um gavião graúdo, de penacho, cujo tamanho e ferocidade levaram os primeiros exploradores europeus da América Central a nomearem-na como tal em função das monstruosas meio-mulheres, meio-águias, da mitologia grega. Porém, diferentemente dessa espécie de gavião graúdo,

Já o lirismo de “Harpia” é de outra ordem, diametralmente oposto ao dos que cultivam as flores da retórica borrifando-as com o orvalho da inspiração, pois Aline Cardoso cultiva flores de aço, flores que vergastam como chicotes, que cortam como lâminas, mas que possuem uma ternura implícita, oculta nas entrelinhas, cabendo ao leitor colhê-la “como a ponta do novelo que a atenção, lenta, desenrola...”
Diversamente da Sevilha de Federico Garcia Lorca, “(...) que preferia olhar o mundo por um binóculo invertido”, os poemas de Aline são lentes de longo alcance, olhos de águia que a tudo veem e a tudo captam com as garras cirúrgicas da concisão, da brevidade ou, mais uma vez para citar o poeta andaluz, com a “estética do diminuto”.
Sérgio de Castro Pinto é doutor em literatura, professor e poeta, membro da APL