Alguma coisa mudou, realmente. Falta apurar por conta de quem ou de quê, mas que mudou, mudou.
O Pantanal pegando fogo; a Amazônia queimada, revirada e pelada; a capital do Império, da República, de todas as culturas, o Rio, virou antro sem trégua de ladrões públicos...
São Paulo, quem era São Paulo? Não falo da locomotiva, carregando o país desde que se tornou, com Minas, celeiro do café, dando o salto seguinte para a matriz industrial de todo um continente. Anda encolhido, sem voz no governo, sem povo na rua antes mesmo da pandemia.
Minas, quem está falando por Minas? Era o que ela tinha de mais saliente depois da Era do Ouro – seu discurso, rivalizando com o de José Bonifácio no Império e com todas as lideranças novas e velhas da República, até mesmo para sufocar a democracia com o se deu com sua demão nos golpes de 30 e de 1964.
E o Sul? Pena que não haja mais o doce “Similares”: eu daria um deles a quem me disser como se chama hoje o líder do Rio Grande. Até fins do ano passado estava pagando salário atrasado a seu funcionalismo. Borges de Medeiros, Getúlio, Jango e Brizola virando a fronte para o fundo raso da cova.
O Rio?... Não, não falemos do nosso melhor cartão postal paisagístico e humano, capital da alegria brasileira. Alegria e humor crítico.
Esse Rio só existe nas novelas da Globo. Não perco uma, nem tanto pelo enredo, mas para cortejar o que ainda resta de amável na capital cultural do país, cercada de barracos: a leveza de gestos, a ginga e o linguajar do mesmo encantamento da montanha. É o único lugar fora a Paraíba que me fazia bem. Hoje, como se vê, quem quiser audiência com um governador ou ex-governador do Rio tem que se encaminhar a algum presídio. O Rio, que mesmo o fazendo sofrer, foi a redenção do nosso Augusto dos Anjos, contra a vontade dos seus poetas de então.
Mas nem tudo mudou para o pior. O Nordeste das secas, de uma aridez na qual pouco restava em que pegar fogo, já não espera hoje pela esmola do imperador. Depois que a emergência dispensou o êxodo e se prestou a domicílio, a partir daí começou a mudar. Descobriu-se que os ambulantes, os desempregados ou trabalhadores informais podiam viver às suas custas, formariam o seu próprio mercado, e a desigualdade ficou menos afrontosa. Há mais de dez anos que a Paraíba paga seu funcionalismo em dia. Levanto esta ficha por ser, historicamente, o índice mais expressivo de como vamos.
Gonzaga Rodrigues é escritor e membro da APL