Nestes tempos em que se viaja tanto e tão facilmente, às vezes alguém pergunta se conheço esta ou aquela cidade. Em muitos casos, sei que o que o outro pretende é apenas uma oportunidade de citar a lista completa dos cento e trinta e sete países que afirma ter conhecido até o momento, já que sua meta, se Deus permitir, é conhecer todo o planeta, das ilhas Malvinas ao interior da Finlândia. Bom proveito, é o que eu digo. Aliás, boa viagem.
Mas o que quero dizer é que hoje em dia, quando não me descuido, procuro ter o cuidado de não responder a ninguém que conheço esta ou aquela cidade; na verdade, qualquer cidade. Estive sim em alguns lugares, não muitos, por esse mundo afora. Todavia, pensando bem, possuo autoridade para dizer que conheço Buenos Aires, Paris ou Roma, por exemplo? Estive lá, até mais de uma vez, é certo, mas daí a declarar que as conheço é outra coisa, seria muita pretensão da parte de quem não reconhece o próprio lugar onde nasceu e vive há décadas.
De fato. Hoje conheço razoavelmente apenas uma parte, provavelmente uma pequena parte dessa João Pessoa que se espalhou por bairros e comunidades onde nunca estive e cujos nomes não identifico. Toda uma cidade que desconheço e que provavelmente morrerei sem conhecer. Ora, se assim é aqui na aldeia tão modesta, imagine o que não será em Paris, Roma ou Londres, com sua extensão, sua história milenar, sua arte, sua arquitetura, seus mil segredos urbanísticos? Meu Deus.
Afonso Arinos de Melo Franco, ao longo da vida longeva, viajou dezenas de vezes a Roma, cidade de sua predileção. Ele a preferia a Paris, só para se ter uma ideia de sua paixão pela velha urbe. Percorreu dezenas de velhas igrejas, de museus, de ruelas escondidas; viu centenas de pinturas, de afrescos, de obras de arte as mais diversas; visitou bibliotecas públicas e particulares, mansões, palácios e monumentos. Chegou até a escrever um volumoso livro sobre a cidade (Amor a Roma), ousadia que poucos romanos teria. Entretanto, pode-se dizer que ele conhecia Roma? Razoavelmente, vá lá; completamente, nunca. A mesma coisa pode-se afirmar do argentino Borges em relação a Genebra, da qual gostava tanto que foi morrer e se enterrar em seu solo.
Por isso, para ser rigorosamente verdadeiro, impõe-se afirmar que não conheço direito nem minha própria rua (que dirá meu bairro!). É a pura realidade. Claro que percorro minha rua frequentemente. De carro. Isto por acaso me autoriza a asseverar que realmente a conheço? Duvido. Porque uma rua não é apenas um ajuntamento de casas e prédios; abrange também – e necessariamente – seus moradores, seus funcionários, até mesmo seus bichos de estimação, cada qual com sua história particular, seus dramas e suas comédias inevitáveis. Como conhecê-los a todos, pequeno e ao mesmo tempo imenso universo de narrativas esquivas ao olhar distraído de quem apenas passa pela calçada olhando para a frente?
Por essa razão, creio poder afirmar que o único lugar que conheço bem é meu quarto e com ele dou-me por satisfeito. E quanto às pessoas, mesmo as íntimas, aquelas que vejo todo dia, aí é que tenho certeza de que as desconheço por completo. E elas a mim - o que é justo.
E assim vamos pela vida. Ignorâncias que se encontram, se tocam, se conflitam, às vezes se entendem e outras não; ignorâncias que se juntam e até se amam, procriam e formam famílias, núcleos compostos de afetos e de ignorâncias recíprocas.
É realmente um fato (que normalmente ignoramos): de ignorância faz-se o mundo.
Francisco Gil Messias é cronista e ex-procurador-geral da UFPB