Fiz do mar morada. A cada mergulho menino, a cada olhar sob o Sol veraneio, cada visita em qualquer estação ou mesmo direção. Embarquei para amar o mar ao encontrá-lo aqui e alhures, sob o céu azul, ou sob nuvens, pronto para ser banhado pela chuva. Sal adocicado pelo vento, pela água do céu, pelos coqueiros curvos em deferência ao mestre mar.
Mar é gestação de mãe natureza, lembra vivência em água no princípio, ainda no ventre da genitora. É parto de lembranças, desejos e leitos de vontades. É esperança da nau que parte, é certeza da embarcação que chega. Nos dois casos, porto de esperança.
Era vista para o mar o melhor cenário. O mesmo dito vale ao contrário. Ou revista de cinema, tela de pintura, fotografia ou canção no rádio, sinfonia da quebrada da onda, rouca pela madrugada da solidão marítima, pescador de corações e mentes que dividem seus amores, suas dores à beira-mar. O mesmo que reteve Ulisses em muitos mundos, ora tempestuoso, ora de calmaria insana, mas foi-lhe o caminho de regresso.
Tudo era azul, por vezes verde ou mesmo negro, porém da cor do mar. Rasgado à noite pela estrada prateada ou dourada, à mercê da senhora Lua que surgia de quando em quando para ornar um rasgo trilhado até a areia, como tocha noturna impalpável. Mas eram fases superadas, repetidas, realçadas, esquecidas, partilhadas. Cada uma a seu tempo de mar.
Era mais! Amor pela composição marítima que beija os pés descalços do andarilho, revela pegadas na areia para escondê-las o rastro e realçar que precisam ser repensadas. É mar que faz bem pensar ao borbulhar em espuma branca como garrafa aberta de champanhe das ondas quebradas. Embriaguez de qualquer hora, surpresa esperada, sonora cadência.
E se torna homem criança confrontado ao mar. Barquinho de brinquedo, sorriso na corrida ao vento e mergulho trôpego no reencontro com a água. Rotina diária de fluxos e refluxos, marcha eterna das marés, densa e tensa relação com a terra firme. Universo mar, misterioso em multicores, muitas formas, muitos amores, vários humores. Por vezes, mais sal ao mar na lágrima escorregadia pelo rosto, da tristeza, da alegria, salto final para amar.
Oferendas em flores e perfumes para agradecer Iemanjá, sacrifícios para acalmar Poisedon e Netuno, guerreiros das tempestades em alto-mar. Olhares para a beira-mar, vontade de além-mar. Entrega desmedida, oceânica, imensidão irrequieta. Despropositado ao lado do mar sentar e rever-se em cada pedra, concha e onda espelhar.
Ah, o mar! Pois se o pó retorna ao pó, também a Terra é água que se mistura, mais líquida que concretude, mais fluída que certeza cósmica.
Mar a esperar o rio que corre para lhe amar, para um abraço doce salgado, beijo na barra ou no maceió molhado, coito em dois reinos. Amor com o mar. Viver pleno mar, plainar sem decolar, preciso, a navegar. Quem sabe retornar, virar cinzas e ser lançado de passagem... ao mar.
Clóvis Roberto é jornalista e cronista