As palavras, como as pessoas, nascem e morrem. A diferença entre elas e nós é que podem ressuscitar. Um dia, quando menos esperamos, deparamo-nos com um arcaísmo que nos faz voltar à infância (esse “deparamo-nos”, com o pronome enclítico, não seria um?).
Outro dia eu estava listando uns termos que ouvia quando era menino e que hoje praticamente não se dizem mais. Alguns se tornaram esquisitos; outros preservam um sabor, um brilho semântico, que nos desperta o desejo de resgatá-los.
Hoje se diz de alguém convencido e presunçoso que “é esnobe”. Antigamente, uma pessoa desse tipo “só queria ser as pregas”. Por que as pregas? Pedi a ajuda da minha mulher, que logo matou a charada: na roupa feminina, as pregas são o que dá mais trabalho por representarem um requinte, uma marca de distinção.
Pirralho mal-educado a gente tratava “no cascudo”. Ou no “cocorote”. Levei vários deles, por sinal, e nem por isso fiquei ruim da cabeça. Ruim da cabeça? Naquele tempo ninguém falava assim. Dizia-se “gira”, “pancada”, “abilolado”. Os cascudos eram para mostrar que a criança tinha de obedecer aos pais “sem tugir nem mugir”, eu seja, sem murmúrio nem grito.
Homem usava “brilhantina”. Mulher, “laquê”. Cheguei a acompanhar meus pais a alguns bailes em que os cabelos dos homens eram um lustre só. Ainda não entrara em cena o xampu com a sua variedade de nutrientes que se ajustam aos vários tipos de fios. Fossem os cabelos secos, oleosos, lisos, encaracolados, louros, pretos ou brancos, a inevitável brilhantina os untava da mesma forma e impedia, se fosse o caso, que se revolvessem no atropelo da dança (mas que risco para isso as dolentes valsas podiam representar?).
Nesses bailes, por sinal, chamava-se a mulher para dançar pedindo-lhe que “concedesse uma parte”. Ela nem sempre se dispunha a saracotear com o “janota”, que achava “espeto” receber a negativa. “Espeto” se aplicava a pessoa ou situação difícil de suportar. Surgiu, certamente, por analogia com o objeto perfurante encontrado hoje nos rodízios de carne, peixe, pizza. A rejeição da mulher era mesmo um golpe, um furo na autoestima do cavalheiro, que tinha vontade de por causa disso provocar um “sururu”.
Mas ele nem sempre se dava por vencido, e às vezes conseguia se vingar. Dando uma “rabiçaca” em quem o rechaçou, por exemplo, ou esfregando-lhe na cara um “pedaço de mau caminho”. Isso: uma garota boazuda, fornida, “de fechar o comércio”, que fazia a outra se sentir um “sibito baleado”.
E os nomes? Naquele tempo os homens se chamavam Anfilófio, Eleutério Salustiano. As mulheres: Eudóxia, Escolástica, Alaor. E os utensílios? Como nos quartos não havia banheiro, fazia-se xixi no “urinol”, que após o uso era pudicamente colocado embaixo da cama. Comida se guardava no “petisqueiro”, e no guarda-roupa se amontoavam sapatos ao lado de roupas. Algumas, para o gosto de hoje, muito “ababecadas”.
Chico Viana é doutor em teoria literária, professor e escritor