Estavam bem velhinhos, ela já doente, ele lhe fazendo companhia. Tudo que tinham eram as lembranças dos velhos tempos, que pareciam cada vez mais indistintas. Como não tinham tido filhos, encheram a vida com passeios, viagens e uma rotina silenciosa. Pareciam se entender sobre quase tudo e sentiam pouca necessidade de falar um com o outro.
Entre as lembranças, tocava-os especialmente a do primeiro encontro. Foi num parque de diversões. Ele a convidara para um cachorro-quente com refrigerantes; ela aceitou meio envergonhada, com medo de parecer “fácil”.
Enquanto esperavam a comida, ouviam na “radiola” do quiosque a música de um filme americano. Ele comentou que a melodia era muito bonita, ela concordou e até encheu os olhos d’água. Era a música de uma fita romântica, dessas em que o amor triunfa depois de muito sofrimento. Por coincidência, os dois haviam assistido.
Nenhum deles iria esquecer aquele momento. A música parecia ter sido feita para a ocasião. Sempre que a ouviam, lembravam-se do primeiro encontro. Ou era o contrário: a lembrança do primeiro encontro evocava a melodia, que se integrara à história dos dois.
Com voz cansada, ela lhe disse que daria tudo para viver de novo aquele instante. Então se deu o inimaginável: apareceu no quarto uma mulher grisalha, com jeito de fada e um sorriso enternecedor. Não disse quem era, apenas comentou que ouvira o pedido da mulher e viera satisfazê-lo. Eles mereciam, pelo tanto que se amaram. Iriam voltar no tempo e reviver aquele momento no quiosque do parque. Tudo tal como acontecera: as mesmas roupas, os mesmos rostos, a mesma música. A diferença é que conheceriam o futuro.
E de repente se viram 50 anos mais novos. O parque era aquele mesmo, com seus brinquedos, guloseimas e barracas de tiro ao alvo. Os dois caminham entre as pessoas e olham furtivamente um para o outro. Depois do longo flerte, ele se aproxima e lhe faz o convite para o cachorro-quente com refrigerante.
Ela aceita, mas não pode deixar de sorrir da ironia: ele detestava cachorro-quente e não suportava refrigerantes. Dizia que eram muito calóricos. Mas isso ela só saberia depois.
Sentam-se na mesa do quiosque e, enquanto esperam, ouvem a música. Ele comenta que a melodia o comove pelo romantismo. “Você? Romântico?” “Sou...” Ela, interiormente, acha graça de novo; ninguém menos romântico do que ele! O hábito de falar pouco, que ela foi absorvendo, era apenas um dos meios com que abafava as emoções. Mas isso, claro, ela só saberia depois.
Enquanto comem, cada qual fala um pouco de si. Ela diz que foge de agitação; ele, pelo contrário, confessa gostar da rua e das pessoas. Fica entediado em casa. “Sou um tipo social... De que você está rindo?” “Nada, nada.” O riso o deixa sem graça, o que não tinha acontecido da primeira vez.
Pouco a pouco, retornam ao presente. A mulher grisalha ainda se encontra no quarto e pergunta se ficaram satisfeitos. Sem esperar resposta, vai embora. O dois se dão as mãos e sorriem um para o outro. Ela pede: “Fique junto de mim. Vamos aproveitar este momento.” E completa, depois de um suspiro: “Nada volta, e bom mesmo é não saber o que virá depois.”
Chico Viana é doutor em teoria literária, professor e escritor