Fechada a última página do jornal, Leocádio apaga as luzes, e desabalamos pela escada em caracol da velha A União, Cabo Doge ou Doge Patada...

A proeza de Gustavo Moura

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Fechada a última página do jornal, Leocádio apaga as luzes, e desabalamos pela escada em caracol da velha A União, Cabo Doge ou Doge Patada – como tratávamos Dorgival Terceiro Neto - repicando o projeto várias vezes adiado de, um dia, descermos até as cabeceiras do rio Paraíba, ainda que de quatro, pelas encostas de Monteiro.

A ideia vingara desde a leitura, juntos, de uma página de Irineu Joffily descrevendo a subida ao Pico de Taperoá, de onde descortinou, em prosa suculenta, a metade da Paraíba atravessada de viés pela Borborema. Já tínhamos lido o livro de geografia, botânica, geologia e história administrativa que José Américo escrevera a pretexto de engastar, no tempo, as obras contra as secas de Epitácio. Dorgival, que era meio perré, aqui e ali se alvoroçava rendido pela prosa e ciência do Zé Ramona, como os ódios de 30 o haviam habituado a ouvir.

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“Quando é que a gente vai?” Tínhamos motivação e pernas para mais que isso. E a experiência de um primeiro treino madrugando ao nascer de um domingo de verão pela mesma trilha cortada a facão, cavalgada pelo ouvidor de 1585, margeando o ribeiro de Jaguaribe até o Cabo Branco para definir o lugar “onde agora está a cidade, planície de mais de meia légua, muito chã, de todas as partes cercado de água”, como bem viu a prosa passarinha do Frei Vicente do Salvador.

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Chegamos até a marcar a viagem à serra do Jabitacá, uns dez anos depois, não mais com a afoiteza da primeira ideia acolhida com a promessa de parceria do então deputado José Rafael de Menezes, mas veio a federalização da Universidade, Dorgival assoberbado com a burocracia da transição, e só quase agora, há uns quatro anos, o vigor da ideia sem mais o da idade, pude botar as vistas, de longe, no fundo do despenhadeiro, água e pedra se plasmando num só elemento para minarem os primeiros fluxos de formação do rio que nos batizou.

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O que José Américo não fez, nem Irineu, nem Coriolano, nem mesmo Lauro Xavier, escritores depois de caminheiros por todas as trilhas da Paraíba, fez agora um neto de Aníbal Moura, professor perpétuo de História; um filho de Hugo Moura conhecedor do nosso folclore; o fotógrafo, alquimista ou artista plástico Gustavo Moura, numa sucessão de quadros fotográficos que só têm de fotografia o nome.
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Verdadeiras aquarelas sem pincel colhidas desde a serra do Jabitacá e assim navegando entre montes, várzeas e cidades, até juntar-se ao mar, na barra do Cabedelo.

Falei em alquimista, sim, por não ver menos que a alquimia do foco, da luz ou do olhar humano amoldando pedra e água num coalho cediço em que os dois elementos se harmonizam para dar razão à sagração de Augusto: “Somente a Arte (...) abranda as rochas rígidas, torna água (...) e reduz à condição de uma planície alegre a aspereza orográfica do mundo”. Não faltou como abertura a água benta dos versos de Hildeberto Barbosa, um ribeirinho agreste do rio a escutar suas vozes, suas preces, “desde as nascentes sagradas, que puxam o terço das águas, pelo altar das estradas”.

É assunto que não esgota fácil.


Gonzaga Rodrigues é escritor e membro da APL

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  1. Também, saído da pena do "neguin" Gonga - um dos mais destacados e estimados "professores" da Universidade 'A União", daqueles tempos, não podia ser diferente.
    As impressões visuais trazidas a lume, se tornam ainda mais salientes e valiosas pelas letras que as registram.
    Valeu!!!

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