Simplesmente um passarinho. Um passarinho sobrevivente e cantante entre muitos companheiros, neste mundo urbano crudelíssimo. Superlativo vazado da irritação e inquietude que nos traz a falta de um gorjeio. Somente buzinas, alto-falantes cruzando vozes que propagam liquidação de lojas. Ou ritmos pretensamente musicais de mau gosto, barulhentos arreganhados em alto volume em praias ou não, tirando o sossego a ouvidos e sonos. E os pobres passarinhos não mais cantam como antes. Tiram-lhes os espaços e lhes torcem as melodias que não cansam e combatem o estresse.
Tive notícia, por ouvir dizer, de um desses penosos ilustres desconhecidos que foi colhido no alçapão, preso incomunicável numa gaiola, escravizado por um fanático sequestrador de aves. Por contraditório que pareça, passou a ser a alegria dos frequentadores da casa, onde ficou aprisionado.
O passarinho inquieto esvoaçava pelos quatro cantos fechados pelos ponteiros da gaiola. Inocentemente esperançoso em aproveitar uma ocasião em retornar a seus trajetos espaciais, espalhando alpistes de cantos para a alegria dos corações. Velhos, jovens ou crianças que frequentavam os entornos. Todavia, com o passar do tempo, foi se conformando com a triste sina de voos restritos. O dono conversava com ele, abastecia-lhe o papo, carinhosamente, se deitava numa vasta rede armada junto ao passarinho, todavia não escutava sequer um pio. Estranho. Estaria mudo?
Dia a dia, o bichinho ia ficando esmorecido. As penas decaídas. O bico colado. Tristonho, vez por outra se lhe eriçavam as penas iam largando do couro. O passarinho notava que ia sendo esquecido. Ninguém da casa ia vê-lo mais. Cada qual com suas ocupações e preocupações. Esticava as asas num gesto de preguiça e dormitava com seus olhinhos pequenos e lacrimejantes. Ou pensam que pássaro não chora de solidão e dor? Começou a passar fome. Pouca água. Uma vez ou outra se lembravam em abastecê-lo com alpiste. Ele nem olhava. Continuava em seu jejum de protesto pela pena imposta.
Certa manhã de sol escancarado, um domingo, o dono foi levar-lhe as provisões e ficou surpreso: o passarinho estava caído, imóvel, a perninha esticada, as asas abertas, arquejante. Triste constatação: morrera de sede e fome. Seu cadáver foi retirado, enrolado num pedaço de folha de jornal e sacudido na lixeira. Isso na maior naturalidade, sem honras fúnebres, nem toque de silêncio. Ao saber da notícia, a mulher do dono do passarinho apenas disse com uma voz glacial: “também não cantava...” A gaiola foi limpa, o caçador de passarinhos vivos foi armar, novamente, o alçapão. Era época de rouxinóis.
José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista