Fui ao Google buscar uma definição genérica para a palavra “herói”. E lá encontrei: “Herói é o termo atribuído ao ser humano que executa ações excepcionais, com coragem e bravura, com o intuito de solucionar situações críticas, tendo como base princípios morais e éticos.”. E um acréscimo importante: a ação do herói, para ser tida como tal, há que ser altruísta, ou seja, desapegada, filantropa, dadivosa. Perfeito. Para mim, esta definição serve muito bem para o grande paraibano Manoel Dantas Vilar Filho, o célebre Manelito, de Taperoá, falecido há poucos dias.
Não o conheci de perto nem de longe. Apenas pelo que ouvi e li a seu respeito. Foi o suficiente para entender que ali estava um homem diferenciado e que fazia, por suas iniciativas agropecuárias no cariri, muita diferença – para melhor, evidentemente. Numa Paraíba tradicionalmente tímida – e até apática – em termos de empreendedorismo econômico, principalmente na área do chamado agronegócio, ele mostrou, a quem quis ver, e numa região das mais difíceis, o semiárido, que era perfeitamente possível conviver-se com a seca e, em consequência, gerar insuspeitadas riquezas, num cenário indolentemente acostumado com a penúria.
Numa Paraíba de maioria empresarial e proprietária acomodada, e até mesmo preguiçosa, que viu, como que passiva e resignada, falir ou decair a atividade açucareira, a algodoeira, a de produção de abacaxi e tantas outras em que já nos destacamos, esse homem de jeito simples e manso, a despeito de pertencer a uma família de valentes, implantou em sua famosa Fazenda Carnaúba, em Taperoá, um projeto notável de caprinocultura, envolvendo a criação e desenvolvimento de um rebanho selecionado, a produção de queijos especiais, o cultivo e o aproveitamento de plantas nativas e de capins adequados ao clima e ao solo regional, além de outras práticas pioneiras que demonstraram, de uma vez por todas, a viabilidade econômica, humana e cultural de uma área desde sempre mal aproveitada e até mesmo abandonada às duras condições impostas pela natureza desafiadora.
E imagino que tenha sido como um autêntico desafio que Manelito herdou as terras paternas, comprometendo-se a trabalhá-las e a desenvolvê-las, como se quisesse mostrar ao pai morto e a todos, enfim, que não fora em vão todo o esforço até então despendido, por sucessivas gerações, no patrimônio familiar de tantos anos. E seu instrumental de ação não foi outro senão a pura razão, a melhor e mais disponível conselheira, a mãe natural do bom senso, que costuma abrir os olhos dos homens para realidades que não raro sempre estiveram à mão, normalmente ocultas apenas àqueles e àquelas que não querem ver. No fim, penso, foi tudo uma questão de dar melhor uso ao que já existia, mas o problema é que descobrir as coisas óbvias é que são elas.
Lembro-me de uma viagem que fiz a Sousa há vários anos. Eu ia no carro, no banco do passageiro, observando atentamente a paisagem tão rústica, toda feita de pedra, serras ásperas, praticamente nenhum verde. Cheguei a dizer que habitar aquelas lonjuras tinha sido uma decisão equivocada dos pioneiros. Por que, perguntava-me, fundar cidades em região tão pouco hospitaleira, se havia em outros lugares do próprio Estado terras mais dóceis para os homens e os animais? Por mim, deveriam ter ido somente até a serra da Borborema; dali para a frente, que ficasse a natureza virgem, com sua rudeza intocada. Hoje sei que o equivocado era eu. E a obra edificante de Manelito, que conheci através de reportagens de TV e jornais, está aí para comprovar, não bastasse o exemplo sempre citado dos israelenses, vitoriosos sobre o deserto.
Sendo a Paraíba tão devagar e não raro abúlica, é provável que o exemplo do grande homem de Taperoá, primo e sócio de Ariano Suassuna, não tenha sido ainda seguido por outras iniciativas públicas e privadas. É muito possível, infelizmente. Mas a semente foi plantada pelo bravo Manelito. Semente que - está provado - frutifica abundantemente quando há trabalho e vontade para realizar sonhos aparentemente utópicos.
Que o nosso semiárido um dia se transforme numa imensa Fazenda Carnaúba. E que Manelito seja sempre lembrado.
Francisco Gil Messias é cronista e ex-procurador-geral da UFPB