Queria comprar a calça que vira na vitrine. Era cara, a mesmíssima usada pela atriz da novela na televisão. Tudo atrasado: água, luz, mercearia. Sequer possuíam cartão de crédito, uma raridade não tê-lo, numa época consagrada ao fetiche de plástico.
Mas o pai (considerado um retrógrado ou um pé-duro) não era afeito a essas invencionices do cruel jogo capitalista ou feiticeira criação dos banqueiros, a fim de esganar os enxeridos contingentes da classe média já sacrificada.
Bem que seu Aprígio relutara em receber o plasma que o primo lhe dera para adquirir uma TV mais nova, em HD e outros babados. Coçava a cabeça, mas não tinha disposição necessária de ralhar com a filha. A mãe tomara o partido da menina desejosa em aparecer na rua se exibindo, mostrando às amiguinhas a novidade, meter inveja nelas que, decerto, ficariam amofinadas, humilhadas, lambendo os beiços por verem Miriam usando exatamente a calça exibida na novela.
Miriam vivia amuada, pelos cantos, até deixara de comer, resmungava, ficava irritada, batia portas e janelas. Seu Aprígio, coitado, um palerma, um pamonha, manso e humilde de coração, nada falava, apenas se afundava numa rede cearense, assobiava canções do passado, deixando tudo tomar o corpo que quisesse.
Nesse impasse doméstico, nada se resolvia, posto o silêncio do dono da casa que não admitia tal compra dispensável. Mas ela está uma mocinha e precisa se atualizar. Nada melhor do que seguir a moda apresentada pela novela! - insistia a mãe, segurando o corpo com as mãos na cintura e as pernas formando um quatro. Era doceira primorosa, porém o que ganhava pouco dava para manter rasteiras necessidades.
O marido, ex-caminhoneiro, recebia proventos modestos que garantiam suas apostas nas lotéricas da vida. Algum resíduo monetário cumpria as obrigações normais, água, luz, etc. Nem para isso estavam folgados. E como iriam empenhar ou pendurar numa calça, somente para satisfazer um capricho de adolescente atoleimada?
Dona Sandra e Miriam cochichavam. A mocinha saiu alegre e enigmática. Como quem guardasse um segredo indevassável.
A verdade é que a calça foi comprada. Seu Aprígio se encafuou em sua calada revolta. Um protesto sem grito. Afinal, era um homem pacato. Um cordeiro.
No domingo, a jovem passeava na praça, andar ensaiado, parecendo uma daquelas moças bem magras que pisam sobre passarelas. Admiração geral. Achavam Miriam a sósia da atriz da novela. Corriam os comentários das mocinhas da vizinhança.
Nem mais se pensava que poderiam cortar a água e a luz da casa. O dinheiro das faturas fora gasto na compra da famigerada vestimenta. Talvez uma encomenda de doce evitasse o corte. Afinal, o caimento da elegante e cara calça era perfeito, de grife e fazia de Miriam a rainha do pedaço.
Quem sabe Miriam poderia, no futuro, ser atriz de destaque, como a da TV. Ou a modelo de uma famosa grife, pensou Seu Aprígio, esquecendo a despesa e sonhando, inocentemente, com o futuro.
José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista