No final da rua, outra concussão daquela. Mais forte, agora. O mais estranho nela foi a impressão de algo que irrompera deixando atrás de s...

Sarriá, funeral e confinamento (Parte III)

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No final da rua, outra concussão daquela. Mais forte, agora. O mais estranho nela foi a impressão de algo que irrompera deixando atrás de si um rastro de desolação, e que fosse a expressão de um silêncio mais fundo do que o anterior patamar em que se colocava.

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Ficava aquela sensação de algo rebaixado, como se o próprio tempo houvesse levado um puxão pra trás, no que, por um instante viesse a nu o verdadeiro diapasão do silêncio, carregado em segredo pelo mais anônimo dos inquilinos anônimos do mundo, esperando a primeira oportunidade de exercer seu poderoso campo de gravidade, para dragar o que fosse de ruído em volta.

Aquela concussão fizera emergir uma gigantesca carga de silêncio e morte que já não se agita, onda paralisada de silêncio, jacente sob a natureza das coisas, num momento como aquele, em que até mesmo o insuportável barulho feito por crianças diante de algum inferno de truques com que fossem diariamente confrontadas, aquele simples resfolegar de caldeirão sobre fogão de cozinha, um murmurante caso de assuntos proibidos, ou o eterno deblaterar das apostas humanas, tudo se calasse, enfim.

Daquela vez, porém, Téo escutara direitinho. E a isto foi se referir bem depois, já de frente para o cemitério, no momento de retirar o ataúde da carroça, que aquilo havia de ser gol perdido, doutor, mais um, e para estarem todos socados em casa, como estavam agora.

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Achava Téo que fosse gol perdido, e que aquele jogo devia estar bem apertado, disse baixinho, enquanto arriava o caixão, até um ponto em que os outros dois homens pudessem segurá-lo também.

Em pouco tempo, por entre alamedas próximas ao portão, tinham-no carregado e depositado no chão, ao lado do túmulo. E então já não havia muito o que fazer, àquela altura. Curioso. Mas a pior hora pode ser também a de um estranho relaxamento.

O funcionário tinha acabado de mexer uma massa de cimento para fazer a vedação posterior, enquanto a tia Beza organizara uma rodinha ali, para a prece final. Então o funcionário, agora com a ajuda dos outros, começou a empurrar o caixão pela abertura.

O mogno reluziu uma vez mais antes de levar em seu bojo o último vislumbre daquele rosto macilento, cujo nariz, agudizado pela morte, ostentava naquele instante curioso aspecto de ave rapinante, mas sem deixar qualquer dúvida quanto a ser aquele rosto o do único leão de verdade que, pelo tempo de sua vida inteira estivera urrando e gravitando em torno da vida de Agenor. Rondando-o. Com sua enorme sombra protetora.

Um Agenor que, mesmo ali teria sido capaz de apostar que, em nenhum momento daquela que foi a justa vida de um homem justo, teria seu pai adotivo se recusado a dar a própria pele para salvar a sua. Mas aquela tarde não ia ser esquecida.

E então voltaram a escutar nova irrupção de gritos, nem bem o funcionário empunhava a colher de pedreiro outra vez.

Continua no próximo capítulo. Aguardem!


Alberto Lacet é artista plástico e escritor

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