O que eu tenho
Eu tenho pequenas coisas
em caixinhas cranianas
casulos de sinceridades
palavras engavetadas
que me dêem sustentação
Eu tenho algumas coisas
risos depositados em conta
rendem juros ao coração
passeio sem banco de praça
pinturas sem toque de mão
Eu tenho mudas de roupas
penduradas em cabides, em guarda
vigias da própria rotina
ajustadas à pele, à saudade
em fagulhas de pingos pela janela
Eu tenho certas fotografias
da sala preta, claridades, revelações
fundamentais excessos, sem exceção
atalhos, porções em flashes
embaraços pausados pela imaginação
* Inspirado em "Pequeno mapa do tempo", de Belchior
Reconstrução olfativa
E tinha um perfume
perdido na memória
viagem sem matéria
intocável, impalpável
era o ontem hoje
instantânea vida
recorte, uma cena
reconstrução olfativa
fugaz espectro, some, dorme
dissipa como névoa
no encontro da manhã
pelo sol atingida
nova identidade
recompor a figura
concretizar a volta
que esmorece imperfeita
Claro
E é claro
quando o dia se faz em sono
que o coração é respiro
ilha de desejo
E salta na chuva
transmuta ferro e fogo
que aviva ao vento
arde sem ferimento
É a vã sorte
acaso contido nos dados?
o ditar o encontro ?
o achar tu pela vida?
Outros chamam de destino
sem desvios, único caminho
e o resto cuida o tempo
o sorriso, olho no olho
Que (r) seja um beijo
adolescente, adormecido
hidrate o corpo inteiro
em sussurros, arrepios
Bom dia
Hoje eu não direi para ti bom dia
pois transpus a simbólica batida com a tua voz
ela ecoava afirmações e risinhos
bebia água, andava pela casa no escuro
Sim, hoje tu não receberás um dom dia
pois estavas presente nos últimos e primeiros minutos
quando uma jornada se foi e outro se fez
e ainda falávamos de tudo
Por isso, não haverá para ti bom dia hoje
ao relógio seguir célere eu a escutava
e quase sentia teu perfume de feminina pele
revela um novo bom dia
Clóvis Roberto é jornalista e cronista