Por onde anda o vendedor de milho, aquele que, todos os dias, às cinco em ponto, suspendendo o movimento do mundo, surgia, em frente ao edifício onde moro? Todos os dias, apesar da inconstância universal dos seres, dos eventos e das coisas, lá estava ele, exatamente às cinco, como se nunca houvesse saído dali.
Desconhecido do universo da propaganda, sem o alarde dos horríveis pregões hodiernos, lá vinha ele, parando nos lugares de sempre, anunciado apenas pela sua silenciosa pontualidade.

Às cinco em ponto, algumas pessoas olhavam da janela, só para confirmar; as mais crédulas nem olhavam: desciam logo em busca do grão tenro. Alguns dos fregueses, mesmo em dia de inapetência, desciam para perguntar se o milho estava bom naquele dia. O que estes queriam, na verdade, era apenas saudar aquela pontualidade reguladora do seu mundo. Somente três velhinhas nunca desciam para escolher o milho: de suas janelas, acenavam, e o bom homem providenciava as espigas na textura adequada para a degustação antiga.
Infenso às variações climáticas, lá vinha ele, todos os dias, o alvissareiro do breve prazer imediato, atravessando a tardinha, trazendo sua mensagem saborosa para os lares do bairro. Mesmo nos dias chuvosos, o cuidadoso homem, com o seu guarda-chuva, ia buscar e levava de volta o freguês, que nunca se molhava.

Por onde anda o vendedor de milho? Há duas semanas, não o vejo e não tenho coragem de perguntar aos vizinhos de condomínio se têm notícia dele.
Eu, que sempre sucumbi ao veredito de Heráclito, às ampulhetas e clepsidras, agarrava-me àquele ritual diário e colhia, naquela presença humana, o antídoto ao topo do mundo às avessas. Todos os dias, sem sair da janela, eu celebrava o vendedor de milho: a ilusão metonímica que sua presença me ofertava: a sensação de que a vida continuava sempre, porque alguém estava ali, todos os dias, às cinco da tarde, como se não existisse o tempo.
Antonio Morais Carvalho é professor e poeta