Nosso propósito era deixar Roma cedo e seguir o mais rápido possível para Florença. Não pudemos fazer isso, pois uma família que fazia part...

Perfume de Florença

ambiente de leitura carlos romero cronica chico viana viagem turismo italia florenca toscana

Nosso propósito era deixar Roma cedo e seguir o mais rápido possível para Florença. Não pudemos fazer isso, pois uma família que fazia parte do grupo fora assaltada na porta do hotel. Quando já estávamos de saída, a mulher entrou no ônibus, lívida e chorosa, dizendo que lhe haviam levado a bolsa com tudo que havia dentro: dinheiro, passaporte, documentos (e até uma carteira de motorista que o marido, ninguém sabia por quê, trouxera do Brasil; talvez por ter mais medo dos nossos ladrões).

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Resolveu-se momentaneamente o problema decidindo que o casal ficaria com o grupo e no dia seguinte voltaria a Roma com um dos funcionários da agência de turismo.

Por que relato essa história? Porque ela foi determinante para o ânimo com que deixamos a capital da Itália. Saímos aliviados por o roubo não ter sido conosco, mas constrangidos por ele haver ocorrido com pessoas próximas e já um pouco íntimas – pessoas que no dia anterior riam, deslumbradas com o que viram até então, e estavam ansiosas pelo que iam ver. E iríamos ver Florença!

Chegamos lá ainda assustados com a lembrança do roubo, cada um segurando firme sua bolsa e escondendo sua carteira. Mas não há preocupações que resistam à beleza daquela cidade, considerada o berço do Renascimento, e pouco depois circulávamos por ela atentos às praças, monumentos e igrejas.

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O guia nos deixou na Piazza della Signoria e de lá rumamos para a Piazza del Duomo, onde fica o complexo arquitetônico formado pela catedral, o campanário e o batistério. Dessas construções simétricas e coloridas, que se recortam uma ao lado da outra contra o céu florentino, pudemos ver apenas a catedral. Nela havia muita gente, mas conseguimos percorrer com alguma tranquilidade seus amplos espaços de piso multicolorido, em torno dos quais se erguiam estátuas e capelas. Ali a fé era puro deleite.

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Depois de um breve lanche (ninguém tem muita fome em viagem), preparei-me para ir à Galeria della Academia. Motivo: era lá que estava o “Davi” de Michelangelo. Denise tinha outro plano: visitar a igreja de Santa Maria Novella e, próximo, conhecer a perfumaria que tem o mesmo nome.

Nesse lugar, que na verdade se chama Officina Profumo-Farmaceutica, foi criada a Acqua della Regina especialmente para Catarina de Médici. “E daí? Quem quer saber de perfume nesta hora?” – argumentei, mas ela estava decidida. Tivemos um pequeno entrevero conjugal em pleno coração de Florença, mas acabei cedendo – mesmo porque a fila para ver o Davi se estendia, sob um sol de ferver granito, por algumas dezenas de metros.

Deu um pouco de trabalho encontrar a perfumaria, que ficava numa rua ao lado da igreja. Era um salão amplo em cujas paredes se viam fotos da historia da loja. E nas prateleiras, acondicionados em embalagens delicadas, enfileiravam-se sabonetes e perfumes de um odor finíssimo.

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Tudo exalava nobreza; parecia que ali a função do tempo era refinar os odores (como ele faz com os vinhos). Foi sob essa doce impressão que, à tardinha, fizemos o percurso de volta. Não vi o “Davi”, mas terei sempre na memória olfativa aqueles aromas. Impregnada por eles, era impossível a qualquer mulher não se sentir uma rainha.


Chico Viana é doutor em teoria literária, professor e escritor

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