Nosso propósito era deixar Roma cedo e seguir o mais rápido possível para Florença. Não pudemos fazer isso, pois uma família que fazia parte do grupo fora assaltada na porta do hotel. Quando já estávamos de saída, a mulher entrou no ônibus, lívida e chorosa, dizendo que lhe haviam levado a bolsa com tudo que havia dentro: dinheiro, passaporte, documentos (e até uma carteira de motorista que o marido, ninguém sabia por quê, trouxera do Brasil; talvez por ter mais medo dos nossos ladrões).
Resolveu-se momentaneamente o problema decidindo que o casal ficaria com o grupo e no dia seguinte voltaria a Roma com um dos funcionários da agência de turismo.
Por que relato essa história? Porque ela foi determinante para o ânimo com que deixamos a capital da Itália. Saímos aliviados por o roubo não ter sido conosco, mas constrangidos por ele haver ocorrido com pessoas próximas e já um pouco íntimas – pessoas que no dia anterior riam, deslumbradas com o que viram até então, e estavam ansiosas pelo que iam ver. E iríamos ver Florença!
Chegamos lá ainda assustados com a lembrança do roubo, cada um segurando firme sua bolsa e escondendo sua carteira. Mas não há preocupações que resistam à beleza daquela cidade, considerada o berço do Renascimento, e pouco depois circulávamos por ela atentos às praças, monumentos e igrejas.
O guia nos deixou na Piazza della Signoria e de lá rumamos para a Piazza del Duomo, onde fica o complexo arquitetônico formado pela catedral, o campanário e o batistério. Dessas construções simétricas e coloridas, que se recortam uma ao lado da outra contra o céu florentino, pudemos ver apenas a catedral. Nela havia muita gente, mas conseguimos percorrer com alguma tranquilidade seus amplos espaços de piso multicolorido, em torno dos quais se erguiam estátuas e capelas. Ali a fé era puro deleite.
Depois de um breve lanche (ninguém tem muita fome em viagem), preparei-me para ir à Galeria della Academia. Motivo: era lá que estava o “Davi” de Michelangelo. Denise tinha outro plano: visitar a igreja de Santa Maria Novella e, próximo, conhecer a perfumaria que tem o mesmo nome.
Nesse lugar, que na verdade se chama Officina Profumo-Farmaceutica, foi criada a Acqua della Regina especialmente para Catarina de Médici. “E daí? Quem quer saber de perfume nesta hora?” – argumentei, mas ela estava decidida. Tivemos um pequeno entrevero conjugal em pleno coração de Florença, mas acabei cedendo – mesmo porque a fila para ver o Davi se estendia, sob um sol de ferver granito, por algumas dezenas de metros.
Deu um pouco de trabalho encontrar a perfumaria, que ficava numa rua ao lado da igreja. Era um salão amplo em cujas paredes se viam fotos da historia da loja. E nas prateleiras, acondicionados em embalagens delicadas, enfileiravam-se sabonetes e perfumes de um odor finíssimo.
Tudo exalava nobreza; parecia que ali a função do tempo era refinar os odores (como ele faz com os vinhos). Foi sob essa doce impressão que, à tardinha, fizemos o percurso de volta. Não vi o “Davi”, mas terei sempre na memória olfativa aqueles aromas. Impregnada por eles, era impossível a qualquer mulher não se sentir uma rainha.
Chico Viana é doutor em teoria literária, professor e escritor