O meu pai, Romero, era um homem simples, filósofo e circunspecto, enxadrista e descrente da natureza humana. Era autodidata e leitor exigen...

Olhando para as nuvens

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O meu pai, Romero, era um homem simples, filósofo e circunspecto, enxadrista e descrente da natureza humana. Era autodidata e leitor exigente de história, geografia e filosofia. Não entendia poesia, mas era exímio em matemática e apreciador da natureza. Sou-lhe grata por tanta delicadeza e sabedoria, exatamente por essa mesma natureza, humana.

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E começo falando do meu pai para o assunto que vem a seguir. Acho que porque era um homem sábio, observador e tinha um ritmo parecido com o meu. Andava olhando para baixo, pensativo, enquanto eu, ando olhando para as nuvens. Pensativa também.

Em um desses pensamentos, lembrei-me de que, uma vez, utilizei nas aulas de Inglês Instrumental uma crônica (de Paulo Mendes Campos, acho) cujo título mencionava os nomes comuns: João, Francisco, José... e falava dos saberes do homem simples. Homens do campo, da pesca, pessoas que não estudaram, mas que tinham sua sabedoria sobre o tempo, as marés, as pedras, as delícias e os perigos de um dia após o outro.

Na vida, já tinha certeza desses saberes. Na literatura, fui gostando cada vez mais do tema. E aí veio o conto "O Rouxinol e a Rosa" (The Nightingale and the Rose), de Oscar Wilde, no qual razão e emoção se debatem; o saber dos livros e o saber da natureza; a arrogância; a metafísica; a crença no amor romântico; a doação e o saber altruísta de um rouxinol.

Do mesmo tema, trabalha o filme "O Despertar de Rita" (Educating Rita, 1983), comédia dramática inglesa, dirigida por Lewis Gilbert, baseada em peça teatral de sua autoria.

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A estória se desenvolve em torno da jovem cabeleireira Rita (Julie Walters), que desestabiliza o aristocrata professor oxfordiano Frank Bryant, interpretado sisudamente por Michael Caine. Na interação entre os dois personagens ocorre uma inversão de saberes: o mestre intelectual deixando quebrar seus paradigmas pela espontaneidade da estudante, de sotaque simples; e a mocinha, que deseja concluir seus estudos básicos antes de tornar-se mãe, vai se desencantando pelos mesmos saberes da universidade, onde ela pensava estar o supra sumo da excelência. De repente, ela descobre que entre o salão de beleza e a universidade muita coisa se esconde além da vã filosofia de bobes e livros de poesia.

O escritor inglês D. H. Lawrence, célebre por seus romances "O Amante de Lady Chatterley" (Lady Chatterley's Lover, 1928) e "Mulheres Apaixonadas" (Women In Love, 1920), tão logo se torna um catedrático das letras inglesas começa a reavaliar suas opiniões sobre o pai, mineiro e sem educação, e sobre sua mãe, delicada, de um status intelectual superior, tema que lhe rendeu prêmios, a exemplo do que ocorreu com a novela biográfica "Filhos e Amantes" (Sons and Lovers, 1912). Em suas retrospectivas, achava que tinha julgado mal o seu pai, e que a violência dele, inclusive doméstica, originava-se de uma virilidade máscula e instintiva, não tocada ainda pelas ditas convenções  vitorianas, quiçá um disfarce para esse comportamento mais polido e sem fuligens de carvão. Em toda sua obra, apresenta sempre um personagem outsider, seja ele um jardineiro, um cigano ou simplesmente um camponês livre dos laços das circunstâncias públicas ou privadas.

O filme "Educação" (An Education - Inglaterra, 2009), direção de Lone Scherfig, como o próprio título antecipa, mostra o desenvolver da educação pós-guerra, enfocando o tédio, a inércia dos jovens, a sedução de uma mocinha pelas possibilidades de arte e do glamour vindos de um homem mais velho.

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Os homens, até hoje, são fascinados por descobrirem os mistérios para suas Lolitas, ou de exercitarem os seus saberes e (podres) poderes diante da inocência de uma donzela. É o chamado (des)virginamento literal e simbólico que ainda se faz promissor. Quão sedutor é a detenção do saber. E saber é poder!

De plebeu em plebeu, de Pigmalião em Pigmalião, e de "My Fair Lady" em "My Fair Lady", esse é um tema recorrente nas estórias. O saber institucional e erudito versus o saber intuitivo, impregnado na vida de todo e qualquer ser humano.

O efeito Pigmaleão (também chamado efeito Rosenthal) "é a expressão usada em psicologia para descrever as nossas expectativas e a percepção da realidade na maneira como nos relacionamos com ela. É como se realinhássemos a realidade de acordo com as nossas expectativas" (wikipedia).

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Não sou florista nem cabeleireira nem fair nem lady e tampouco uma aluna apaixonada... Um passarinho? Talvez! Mas o fato de gostar de escrever crônicas e de usar brincos faz com que, por vezes, me considerem um ser exótico e diletante, que vê a vida de forma prosaica (e confesso que sou); um ser disperso e que vive no mundo da lua (e vivo!). Falo disso tudo porque, como tenho esse olhar cronista e poético diante da vida, muitas vezes posso parecer (não) educada e (não) acadêmica, e não sou! Acredito que, sempre entre uma vírgula e outra, podemos nos distrair. E digo mais, procuro não franzir tanto a testa. Nem sempre consigo. Além de dar rugas de expressão irrevogáveis, o ato pode transmitir saberes até institucionais, mas sem viço e beirando histerias de fogueiras e de vaidades.

Desculpe-me a divagação, mas já nem sei mesmo o que eu queria falar… Pigmaleão? Educação? Saberes?

Tudo junto. Tudo misturado! E me arvorando a ser um pouco socrática, concluo: Só sei que nada sei!


Ana Adelaide Peixoto Tavares é doutora em teoria da literatura, professora e escritora

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