O Poder, ah, o Poder ... O Poder e sua força irresistível, seu fascínio desarrazoado e alucinante. O labirinto psicológico que o envolve, os sentimentos que suscita e que Shakespeare genialmente dissecou tão bem – e para sempre – em Hamlet, Macbeth, Rei Lear e Otelo, por exemplo.
Diz-se que Getúlio Vargas não escrevia seus discursos, o que é muito provável, pois raros são os governantes que o fazem. Uns, porque não sabem, não têm o talento ou o preparo necessários; outros, porque não têm tempo, o que é compreensível. O fato é que Getúlio, segundo dizem, não escrevia os seus. E foram muitos, durante seus quinze anos na chefia do país, de 1930 a 1945, sem falar no período que vai de 1951 a 1954, quando ele suicidou-se. Reunidos em livro, totalizam inúmeros volumes, publicados pela Editora José Olympio, sempre atenta aos ventos governamentais, e organizados, quem diria, pelo escritor paraibano José Vieira, de magra memória entre nós.
Conta-se que quando vieram a público os cinco primeiros volumes desses discursos escritos por outros, vários getulistas imortais da ABL, por iniciativa própria, se assanharam para levar o presidente para a Academia. Foram até ele discutir o assunto palpitante. Getúlio foi honesto e disse-lhes não poder aceitar a honrosa oferta por não ser um homem de letras. Em sua opinião, não ficaria bem ele se candidatar. Os sôfregos acadêmicos não contaram conversa: apresentaram logo uma proposta de reforma dos estatutos, de modo que uma candidatura pudesse ser apresentada não apenas pelo candidato mas também por iniciativa de, no mínimo, dez imortais. E assim foi feito. E assim Getúlio foi eleito, quase contra sua vontade, revogando-se em seguida a oportunista reforma estatutária arquitetada (e executada) só para beneficiá-lo.
Aí me vem ao pensamento Juscelino, que, já cassado, almejou ingressar na mesma ABL. Ele que construíra Brasília, tão eterna e monumental quanto as pirâmides do Egito, e cuja glória de estadista talvez até ultrapassasse a de Getúlio. Não era, reconhecia certamente, um escritor, apesar de ter publicado alguns poucos livros memorialistas, mas provavelmente pensou que poderia entrar na Academia na cota dos notáveis, assim como Getúlio e tantos outros. E precisava sim, naquele escuro momento de sua vida, do afago simbólico daquela vitória, daquele desagravo cultural que viria no lugar da então impossível reparação política.
Apesar do apoio de vários amigos, sabe-se que JK foi derrotado. Fala-se que o governo militar pressionou a Academia contra o ex-presidente, prometendo à instituição o empréstimo com que depois foi construído o imenso edifício ao lado do Petit Trianon e que lhe assegurou independência financeira para sempre. É de se perguntar: neste mundo em que vivemos, poderia Juscelino enfrentar adversários munidos de argumentos tão convincentes?
Tais fatos se passaram na ABL como poderiam ter ocorrido em outro lugar. O jogo e as regras seriam iguais. A questão é que Juscelino possuía a glória de Quéops, Quefren e Miquerinos, mas faltava-lhe naquela disputa o principal: o poder que vale, o poder que pode, o poder do Poder.
Francisco Gil Messias é cronista e ex-procurador-geral da UFPB