Leonardo da Vinci, em uma de suas listas de tarefas, incluiu como tópico de pesquisa a anatomia da língua do pica-pau”. Como é possível que um gênio, um homem excepcional, dotado de inteligência quase divina e faculdades fora do comum, pudesse se preocupar com um assunto que na vida prática parece não ter nenhuma utilidade?
Leonardo nasceu em 15 de abril de 1452 em Anchino, Florença, próxima de Vinci. Faleceu na França no dia 2 de maio de 1519 com a idade de 67 anos. Incursionou por campos tão diversos como a pintura, arquitetura, escultura, astronomia, matemática, anatomia humana e animal, hidráulica, óptica, aerodinâmica, cartografia e topografia.
Ficou conhecido internacionalmente com a pintura “Mona Lisa" (La Gioconda), pertencente, hoje, ao acervo do Museu do Louvre (Paris). Entre suas obras não menos famosas podemos citar: "Ginevra de’ Benci" (Galeria Nacional de Arte, Washington DC); "A Madona com o Cravo" (Munique, Alemanha); "A Anunciação" e "A Adoração dos Magos" (ambos expostos na Galleria degli Uffizi Florença, Itália); "Cecila Gallerani - Dama com Arminho" (Museu Narodawe, Cracóvia, Polônia"; "Retrato de uma Desconhecida - La Belle Ferronnière" (Museu do Louvre); "A Virgem dos Rochedos" (Galeria Nacional, Londres); "A Última Ceia”...
Quem se interessar pela vida do artista-cientista-arquiteto-astrônomo-matemático, um livro escrito pelo proeminente biógrafo Walter Isaacson foi publicado, em 1997, pela editora Intrínseca com o título “Leonardo da Vinci”.
Para que saciem sua curiosidade, a língua do pica-pau pode se alongar por mais que o triplo do comprimento de seu bico. Ela se retrai para dentro do crânio quando não está sendo usada. Suas estruturas similares a cartilagens se estendem para além da mandíbula, envolvendo a cabeça da ave em uma curva para baixo, na direção das narinas. Isso é muito importante para proteger seu cérebro do impacto quando bica uma árvore, além de facilitar na busca de alimentação durante a caça às larvas. A batida com repetição contra a casca de uma árvore equivale a dez vezes à força necessária para causar a morte de um ser humano. A língua comprida e sua estrutura de suporte funcionam como uma espécie de amortecedor protegendo dos choques o cérebro do pássaro.
Os estudos de Leonardo sobre fenômenos hidráulicos se anteciparam a conceitos que, hoje são considerados próprios de estudos avançados nessa área da engenharia. Desde sua chegada à corte milanesa em 1482 até 1499, quando deixou a cidade, ele elaborou projetos de medição de vazões, canalizações, canais e irrigações e controlou instalações hidráulicas. Com o muito que aprendeu em Milão, sonhou em transformar a Toscana mediante a derivação de um canal para Florença com o desvio do rio Arno, passando por Prato, Pistoia, Serravalle e Pisa. A ideia era fertilizar essas áreas e possibilitar o estabelecimento de novos moinhos com os quais se poderia obter um lucro de 200 mil ducados anuais (um ducado era uma moeda de ouro pesando 3,5 gramas, correspondendo hoje a aproximadamente mil duzentos reais).
Seus estudos, com o apoio do amigo Nicolau Maquiavel, previam a escavação de uma enorme vala, com cerca de dez metros de profundidade, em um trecho do rio Arno localizado antes de Pisa desviando essa água para Florença com o uso de barragens.
Uma barragem seria construída dentro do rio, depois outra mais adiante na correnteza, um pouco à frente da anterior e, de forma similar, uma terceira, quarta e quinta barragens, permitindo que o rio desembocasse no canal. As obras para a construção dessa estrutura começaram em 1504 com vazão média prevista por Leonardo da ordem de 36 metros cúbicos por segundo. A título comparativo, o Canal Adutor Acauã-Araçagi, a principal obra hídrica que está em fase de construção na Paraíba e que receberá água da transposição do rio São Francisco, terá vazão máxima de 10 metros cúbicos por segundo, em um trecho com extensão de 150 quilômetros. Entretanto, o projeto de Leonardo não foi obedecido. Foram construídas duas valas em paralelo, cada qual com quatro metros de profundidade. Não deu certo e a obra foi abandonada.
O professor venezuelano Santos Eduardo Michelena na publicação da Hidroven “Apuntes sobre los dibujos hidráulicos de Leonardo da Vinci” em 1997, apresentou os cálculos de vazão com os dados das dimensões desse canal trapezoidal projetado por da Vinci obtidos com computadores sofisticados. A diferença do resultado obtido pelo engenheiro Michelena com o dele foi de apenas oito por cento, mesmo sem Leonardo possuir nenhum conhecimento de hidráulica superior, nem contar com nenhum recurso de informática.
Imaginem se Leonardo da Vinci vivesse nos tempos atuais?
Sérgio Rolim Mendonça é Engenheiro Sanitarista e Ambiental