Aprendi a gostar de palavra com minha mãe, que era professora e me ensinou a ler, em casa mesmo. Depois eu ganhei uma coleção bem bonitin...

Já sei ler

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Aprendi a gostar de palavra com minha mãe, que era professora e me ensinou a ler, em casa mesmo.

Depois eu ganhei uma coleção bem bonitinha de livros, que se chamava "Meu Primeiro Dicionário". Por causa dessa coleção, eu pegava o "Aurélio" da casa (eu digo assim porque achava que em toda casa tinha um), e folheava para aprender palavras novas. "Apropinquar, panacéia, arrulhos, escaravelho, ósculo..." e ficava imaginando uma oportunidade de usá-las. Finalmente esse dia chegou.

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Dona Jane, minha professora do primeiro ano científico no Liceu Paraibano, me fez criar gosto pelas palavras, do modo como elas são ordenadas ou não, em uma poesia.

E Guimarães Rosa, de quem eu achei o livro mais lindo da minha vida embaixo da cama do meu pai, me fez amar palavras que ele mesmo inventou e que parece que eu sempre ouvi e sempre soube do significado.

Ler e escrever a gente aprende ao mesmo tempo? Não lembro.

O dia mais incrível da minha vida foi quando eu escrevi palavras juntas numa coisa chamada frase. Uma espécie de orgulho se apoderou da minha pessoinha pequena e eu me senti muito importante.

Eu tinha uns amiguinhos que ganhavam revólver de brinquedo. Eu preferia ganhar livro. Por isso eu era considerado estranho. Mas na minha casa isso não era estranho, não. Ali, todo mundo gostava de livro. Eu sabia que meu pai queria que eu também gostasse de espingardas. Ele era caçador. Naquele tempo podia. Mas comigo não deu certo. Matar um pássaro não estava nos meus projetos. Nem um tatu. Nem nada.*

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De livro em livro eu fui subindo na vida. Conheci o mundo mesmo antes de ter conhecido o mundo. Ganhei o mundo subindo de livro em livro.

Claro que livro foi só o primeiro passo para coisas mais pesadas (risos). Depois vieram música, cinema, teatro. O amor pelas artes todas e por essas pessoas que pintam, esculpem, fotografam, escrevem poesia... sim, caí no vício, de onde nunca mais saí.
Benditos sejam meus olhos.

O outro dia mais incrível da minha vida, foi quando escrevi, alguém leu e isso foi um tipo de encontro.

Dia desses alguém me chamou de poeta. Nem nos meus sonhos mais ambiciosos eu imaginei que poderia ser poeta.

Poeta para mim é uma espécie de semideus. Se o escritor é vinho, o poeta é champanhe. Por que poesia é palavra borbulhando.

O meu coleguinha que ganhou um revólver não faz ideia dos universos por onde viajei. E pode até me dar um tiro.

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Mas ele não vai me matar jamais. Porque um dia eu escrevi. E alguém leu. A palavra escrita tem poder. Esteja ela escrita numa carta, num livro, num pedaço qualquer de papel que alguém guardou, entre as folhas de um caderno, na memória de uma moça bonita, na porta do banheiro da escola, onde além de confidências eróticas, um menino da sexta série declarou seu amor por Maria Cristina, a loirinha de cabelos enrolados da quinta série B.

*nada não inclui aranhas.


Nelson Barros é psicólogo e cronista

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  1. Psicólogo, cronista, e escritor que faz poesias com a prosa que escreve.
    Excelente texto, Nelson. Desses de guardar e passar adiante.
    Parabéns!

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    1. Fico muito agradecido pelo comentário, José Mário. Abraço grande

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