Entro no Banco Nacional, antigo Cinema Rex, e fico aguardando o atendimento. Pouco mais, a funcionária chega sorrindo. — Uma ordem de pag...

Devaneio no banco

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Entro no Banco Nacional, antigo Cinema Rex, e fico aguardando o atendimento. Pouco mais, a funcionária chega sorrindo.

— Uma ordem de pagamento — digo.

A tarde está fria, propícia ao devaneio. Acontece que o banco não está para fantasias e sim para cálculos. Portanto, nada de andar com alma de poeta ou de cronista sentimental.

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Banco não é lugar para imaginação, para quimeras. Ali, você deve estar ligado na vida.

O caixa não tira os olhos da máquina de calcular, do carimbo, das cédulas que dançam entre os seus dedos; o escriturário tem uma maçaroca de cheques para conferir; o gerente está com dois telefones nos ouvidos e os olhos nos clientes: uns rogando empréstimos com juros a tantos por cento e outros a requerer investimentos; os vigilantes estão postados na entrada, exibindo revólveres que não têm mais tamanho; os contadores mexem nas registradoras, dividindo, multiplicando, diminuindo…

E há os computadores…

Mas o cronista não observa nada disso. O que o cronista vê no banco é o cinema. A atendente que preenche o formulário bem que poderia ser a mocinha de Tom Mix. Mas quem diacho é Tom Mix?
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É aquele cowboy, cujo revólver faria inveja aos disciplinados seguranças. Como atirava! E como tirava o sono dos bandidos!

— O senhor vai mandar em dinheiro ou cheque? – pergunta a funcionária sem tirar os olhos do formulário.

— Cadê Fred Astaire, aquele que sapateava que era uma beleza? Cadê Ginger Rogers, sua companheira? Cadê Boris Karloff, com a sua Múmia ou o seu Frankstein? Cadê Tarzan, que pulava de galho em galho, gritando selvagemente e chamado por chita? Cadê o Gordo e o Magro? Cadê Humphrey Bogart, aquele de Casablanca. Cadê a doce Ingrid Bergman?

A mocinha não sabe nada disso. São coisas do passado. Ela não vê a hora do expediente terminar para encontrar o companheiro. Os jovens vigilantes, atentos, observam o movimento dos clientes. Não imaginam que, naquele salão, já houve muitas trocas de tiros entre xerifes e bandidos.

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As filas crescem. Será que vai passar O Ébrio, de Vicente Celestino? Sei lá... Cadê Etelvino, o porteiro, para me dizer qual é a fita de hoje? Ele estava sempre por dentro das estreias. E como eu invejava Etelvino, que assistia aos filmes de graça…

— Qual o endereço do destinatário? — indaga a moça.

Continuo no sonho. Ela desconhece que todos aqueles personagens, atores e atrizes, na minha cabeça, estão com seus endereços ignorados. Só se forem chamados por edital…

Mas para que chamá-los? Iriam fazer uma confusão danada no banco. Humphrey beijaria Ingrid na frente de todos. O Gordo e o Magro iriam fazer gracinhas e atrapalhariam os caixas. Tom Mix puxaria sua arma e seria confundido com um assaltante. Fred e Ginger sapateariam em cima do balcão. E adeus investimentos, juros, correção monetária, cadernetas de poupanças, overnight, open market, ORTN etc.

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— Você conheceu Gary Cooper? Gostaria de perguntar à atenciosa recepcionista, mas me contenho.

Certamente, a jovem indagaria se era o gerente do banco de Nova Iorque. Melhor ficar calado, solfejando baixinho aquela música de Casablanca.

– O senhor vai mandar por carta ou telex?

Decididamente o cronista está com a cabeça avariada. Avariada ou virada, o que vem dar o mesmo. Mas quem manda cinema virar banco? Quem manda o menino de ontem acordar no homem de hoje?


Carlos Romero é cronista e patrono do ALCR (in memorian)

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