Coisinhas me encantam. Aquelas que se desapegam do conjunto. Uma xícara sem o pires, uma concha trazida da praia, uma flor que coloco entre as páginas dos livros. É um sentimento de gratidão pela existência das coisas simples, as que me fazem recordar momentos, pessoas, situações.
Talvez essa maneira de sentir a vida, prevaleça em mim. Sou capaz de olhar, incontáveis vezes, antigas preciosidades, paninhos bordados de passarinhos e flores, armários com a madeira arranhada pelo tempo, a capa amarelada de um livro.
Do mesmo modo, a descoberta de uma música que foi favorita em algum passado, transporta a momentos iguais aos vividos nas montanhas de Minas, com cheiro de café e flores "dama da noite" ou às manhãs, com assovios de madrugadores felizes.
As palavras também habitam em mim com uma intensidade brutal: ausência, verdade, perdão, amor, saudade, lágrima, sorriso, liberdade. Às vezes, elas se juntam formando poemas, frases em que me exponho sem medo ou pudor. É um ritual que cultivo, igual ao estender roupas no varal.
Analiso os homens que andam a pé, as mulheres que correm pelas calçadas, os jovens sobre patins, as crianças em pequenas bicicletas. Todos possuem um encantamento peculiar. O balançar do corpo, os olhares que se cruzam, os sorrisos sedutores, os gordos e magros, os moços perfeitos de pernas longas. Multiplico meu olhar para observá-los.
Será que a magia de ouvir o vento correr pelas árvores e assistir o redemoinho de folhas que se misturam à poeira do chão, tropeça na imaginação de todos? Alguém mais consegue acompanhar maravilhado o lento amadurecer de uma manga, ou o brotar de uma flor?
São poucos os que possuem mais do que cinco sentidos. Aqueles que enxergam os vários tons de laranja e rosa que colorem o pôr do sol, os que conhecem as estrelas que transitam na imensidão do céu ou ainda, aqueles que privilegiados, desvendam o azul ultra mar, numa travessia de veleiro pelo atlântico.
Mesmo neste tempo que a dor se dissemina, que os desentendimentos afastam os homens, mesmo assim, é possível reparar nos pormenores, nos pequenos detalhes que transformam o mundo nesta maravilha que merece ser vista, ouvida, sentida. Tudo tem significância, as notas de um piano que formam uma sinfonia, as palavras que elogiam ou se fazem presentes para amenizar o desamparo do outro, os sorrisos que se distribui por gentileza. Pode-se agarrar a simplicidade a todo instante, basta viajar por alguns minutos e sair da indiferença que teima em nos coabitar.
Cristina Lugão Porcaro é bacharela em artes plásticas, psico-pedagoga e escritora