Li há algum tempo que o Projeto Genoma conseguiu mapear mais de 98% do código genético humano. Trata-se de um feito semelhante à invenção do telescópio, que permitiu a Galileu perceber que a Terra não é o centro do Universo, e está no mesmo nível da descoberta da evolução (Darwin) ou do inconsciente (Freud).
Segundo os cientistas que trabalharam no Projeto, sua maior contribuição ocorrerá no âmbito das doenças geneticamente transmissíveis, que poderão ser previamente detectadas e, por assim dizer, antecipadamente curadas. O mapa genético de um indivíduo – que, evidentemente, por muito anos só será feito em país rico – vai dizer se ele desenvolverá câncer, diabetes, psicose maníaco-depressiva ou males semelhantes.
Feito o diagnóstico precoce da possível enfermidade, esse indivíduo substituirá os genes que o predispõem a tal ou qual mazela, e pronto, estará delas livre para sempre. A tendência no futuro é que todos morram de velhice – se a monotonia decorrente de tanta previsibilidade não os fizer morrer antes.
A correção genética para evitar doenças será apenas um dos efeitos do Projeto Genoma. Haverá outros, tanto mais que, sabe-se hoje, a maior parte do nosso comportamento físico e psicológico é condicionada pela hereditariedade. Já se descobriu, por exemplo, o gene que determina a opção político-partidária do indivíduo. Ou seja, nem num domínio de aparente exclusividade ética e social, como o da opção ideológica, escapamos da tirania dos cromossomos.
O problema é que muitos vão querer explicar o Brasil em função dessa primazia da genética. Se tudo é herdado, não temos culpa pela nossa preguiça nem pela nossa propensão a desrespeitar as leis. Não somos responsáveis pelo nosso caráter (ou pela falta dele). Se Mário de Andrade escrevesse hoje o Macunaíma, certamente não chamaria o seu herói de sem-caráter, mas de geneticamente defeituoso. Haverá quem veja nisso um refresco para a nossa autoestima, tão maltratada em razão do vergonhoso desempenho do País no controle da pandemia.
O que mais me anima na hipótese do mapeamento genético é que, se existem genes para todas as mazelas físicas e psicológicas, deve haver um que determine a corrupção. Conclamo os pesquisadores nacionais a pesquisá-lo e, o quanto antes, descobri-lo. Imaginem o que será o Brasil quando pudermos diagnosticar os pré-corruptos e aplicar-lhes uma espécie de punição preventiva. Sem falar do que ganharíamos em divisas isolando-lhes o material cromossômico e fabricando vacinas, que seriam vendidas com abundância e diversidade ao resto do mundo.
Chico Viana é doutor em teoria literária, professor e escritor