“Só em olhar para o senhor a gente já se sente melhor” - era assim que Carlos Romero, nosso pai, se anunciava logo que entrava no consultório de Dr. Marco Autélio Barros.
Foram décadas de consultas, de toda a família, desde crianças. Ele não era apenas cardiologista, era um cientista atualizado, dono de uma visão macrobiológica, cujo olhar fazia jus ao que papai costumava lhe dizer. Clínico geral, doutor em doenças tropicais, Dr. Marco apalpava, auscultava, examinava a fundo, e assim nos dava o infalível diagnóstico.
Quando alguém estava com um problema de saúde não bem esclarecido, mesmo tendo se submetido a exames, ele acertava em cheio, na primeira conversa. Isto aconteceu diversas vezes com amigos e familiares nossos.
O lado humano estava acima de tudo. Atencioso, não desligava o celular, sempre à disposição da grande clientela. Do mais simples e humilde ao mais complexo e famoso paciente. Sem distinção.
Alguns fatos registrados na nossa relação com ele atestam seu espírito devotado e altruísta. Certa vez, ligamos para ele e Dona Leda, a grande companheira, atendeu. Disse que ele estava no banho, mas que em seguida retornaria. Dito e feito. Em menos de 15 minutos o telefone tocou. Era ele, perguntando quem ligara. Mas o detalhe mais importante é que eu não havia me identificado à sua esposa, nem ela perguntou. Apenas afirmou que ele retornaria...
Outra vez, Dr. Marco atendeu uma ligação nossa quando estava na bilheteria do Lincoln Center, em Nova Iorque, comprando bilhetes para uma performance. Um homem de bom gosto, contumaz apreciador das artes, da música, da literatura. Mesmo assim, nos orientou em um procedimento, demonstrando o compromisso que tinha com a saúde alheia, de cujos cuidados não se desligava nem em viagem. E nessas oportunidades, sobretudo nos Estados Unidos, estava sempre se atualizando em congressos e seminários.
Foram muitas as vezes que nos contou as novidades da medicina moderna e prazerosamente sobre literatura, música clássica, sobre nossas crônicas, das quais era leitor assíduo. Assim, muito além de uma relação médico-paciente, desfrutamos uma sólida amizade.
Dr. Marco era médico também aos domingos, feriados e até em pleno carnaval nunca deixou de ir diariamente, por volta das seis da manhã, ao Samaritano. Visitava os internados, dava seguimento aos prontuários, tratava de assuntos administrativos, e dedicava as tardes ao atendimento clínico em seu consultório. Um espaço simples, sem luxo, sem ostentação mas com o aconchego da confiança, da competência e bem assessorado pelas atendentes Maria José e Danielle, nos últimos anos
Uma vez, precisei falar com ele pela manhã, fora do horário de atendimento, e, quando entrei em sua sala, às 9h30 da manhã, ele estava comendo umas bolachinhas "cream-cracker" puras, com suco de caju em um copo de plástico descartável. A simplicidade sempre foi uma de suas maiores e mais refinadas virtudes.
Agora um dos registros mais notáveis, que aconteceu num domingo à tarde. Nosso pai estava se recuperando de uma infecção, após ter recebido alta de uma internação, e sentiu-se mal, subitamente. Como se tratava de algo sério, pois os sinais vitais haviam se reduzido drasticamente, ligamos para Dr. Marco. Surpreendentemente, ele não atendeu. Insistimos, e nada. Nem deu tempo de nos angustiarmos, pois no minuto seguinte ele retorna: “Desculpe-me não ter atendido. Estava dentro da igreja, na missa. Mas agora retirei-me, para retornar. Ordene!”. Como me lembro desse “ordene”… Ao qual lhe respondia: “quem, sou eu, maestro...” Sim, me acostumei a chamá-lo de maestro, pois sabia que amava a boa música. E ele gostava.
Pois bem. Nesse telefonema, quando viu que era urgente, disse-nos: “Chamem a ambulância que eu vou esperá-los na frente do hospital”. Assim fizemos e, de longe, o avistei. Um samaritano na frente do outro. Não na Estrada de Damasco, mas no caminho do bem, do amor, do respeito ao próximo. Pleno das virtudes que soube cultivar e que agora lhe trarão o paraíso da consciência em paz e do dever cumprido. O paraíso que está dentro de nós, como diz Jesus... A ele, seja bem vindo, Dr. Marco!
Germano Romero é arquiteto e bacharel em música